sexta-feira, 5 de maio de 2017

A quadrilha do Leão

Em um universo distópico, existia um leão chamado Leão. Ele não era exatamente forte, mas era grande. E extremamente inteligente. O restante dos leões eram preguiçosos e agiam sem nenhuma unidade. Gostavam apenas da guerra, mas, terminadas as batalhas, o prejuízo era enorme. Exceto para Leão, que era grande. E extremamente inteligente.

Notando a desunião e o despreparo de seus semelhantes, teve uma ideia. Contou aos leões que tinha um plano para que pudessem viver apenas para a guerra, mas que daria certo somente se concordassem em preparar-se para as batalhas. Todo o resto seria responsabilidade de Leão, que ofereceu liderança estratégica e regalias aos seus em troca de lealdade e proteção - afinal, Leão não guerreava. A ideia foi prontamente aceita. O objetivo: criar um exército.

Ardiloso, Leão esperou o último animal sábio se extinguir - era um rinoceronte. Não havia sobrado quem soubesse a verdade: os leões provocavam as guerras com seu comportamento desregrado. Naquele universo, a história era esquecida muito facilmente.

Leão então propôs aos outros animais que sustentassem seu exército em troca de proteção. O felino contou histórias de guerras passadas e do papel fundamental de sua espécie nas vitórias - justificando o cansaço como resultado dos confrontos (o termo preguiça foi abolido). Para completar, Leão assustou o clã com boatos de ameaças externas. Os animais aceitaram o acordo e passaram a contribuir com o bem-estar da alcateia. Os felinos passaram então a reinar na savana.

De tempos em tempos, animais sumiam. Leões são carnívoros, eles precisam comer. Era o preço a se pagar pela proteção. Geralmente os desaparecidos eram os que se recusavam a contribuir. Mas ninguém estava prestando atenção nisso. Estavam todos aflitos demais com as ameaças.

Os leões nada produziam e viviam dos suprimentos oferecidos pelos vassalos. Um tempo depois, Leão percebeu que, quanto mais velhos os animais, mais segurança necessitavam. Dessa forma, aumentaram o imposto sobre a população. Ora, mais proteção, mais trabalho para os felinos. A bocada do Leão passou a ser cada vez maior. Agora, mais animais sumiam. E Leão cresceu de tamanho.

Vinham as guerras. Os clãs inimigos dizimavam e saqueavam. Quando cansados, eram afugentados pelos leões, que tinham armadilhas certeiras preparadas. Como exemplo, matavam alguns inimigos e desfilavam suas carcaças pela savana. Os animais vibravam. Os leões ficavam com os ganhos dos ladrões.

Leão percebeu que combater as guerras daquela forma era um negócio lucrativo. Prevendo as invasões, poderia planejar com antecedência as armadilhas sem tanto trabalho. Foi aí que os guepardos entraram na jogada.

Os guepardos eram os animais mais rápidos da savana e poderiam ser uma ameaça. Eles, porém, não eram tão numerosos. Leão então fez um acordo: os guepardos fariam rondas para espreitar os territórios vizinhos e se juntariam ao bando dos leões, compartilhando de suas regalias. Resumindo, além de seguridade, os felinos ofereciam também previdência. Portanto, os animais precisavam dar mais sacrifícios em troca da proteção.

Já não havia animal que ficasse de fora do esquema. Ninguém queria sumir.

A corja ia se renovando e o círculo vicioso prosseguia. Se morria leão, ascendia leão. Se morria gnu, morria gnu.

Com o aumento populacional, a cobertura dos leões e guepardos ficava cada vez menor. E as regras de proteção cada vez mais rígidas. Os animais precisavam oferecer cada vez mais em troca de uma proteção menor. Quem não dava o tanto necessário, morria nas guerras. Quem não podia oferecer nada, morria pelas mãos do Leão. E muitos contribuíram a vida toda e morreram, de velhos, sem gozar de proteção. Espécies como os elefantes, que nunca haviam concordado com o esquema, começaram a mobilizar os animais sobre os açoites dos felinos. Mas a essa altura, Leão já era enorme. Talvez grande demais.

No fim das contas, a única certeza que os animais tinham era que no final todos se sacrificariam até morrer - exceto os felinos, que formavam a pequena parcela de privilegiados. E que seus benefícios se tornaram as regalias da quadrilha do Leão.

Setekh, o Redimido

6 comentários:

  1. Maravilhoso. Acredito que a relaçao de personagem sendo animal traz ao texto uma genialidade, alcaçaria varios níveis de idade. A estrutura ficou tao atrativa que só tenho elogios.

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  2. Excelente. Tão bem escrita que nem parece que foi guiada por uma moral de fim tão político, tão absurdo. Ficou leve, didático até. Publicaria em um jornal de grande circulação facilmente.

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  3. A metáfora é boa e bem explicada, o que é um diferencial. Mesmo sendo um texto longo não é cansativo, cativa o leitor. Parabéns pela criatividade e pelo desenvolvimento do texto.

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  4. Fico feliz em compartilhar o mesmo espaço temporal que Setekh! Criatividade sem igual.

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  5. A metáfora é excelente e didática,como disseram acima. Muito bom mesmo!

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  6. Setekh, haja criatividade para um texto tão longo e carregado de significado. Como dito ali em cima: muito didático e sem dúvida rompe os limites do acontecimento. Sabe o que me lembrou? Aquelas fábulas que a gente escutava quando criança. Hahahaha. Muito bom!

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