sexta-feira, 5 de maio de 2017

Tempestade

Era uma tarde de setembro. O ano era 1969. Hércules erguia-se grandioso a espera de seus próximos passageiros. O sol ainda iluminava com uma luz um tanto quanto tênue, aproximando-se do fim da tarde. O clima já não congelava tanto os músculos, flores já davam seu ar de graça à cidade, o inverno despedia-se relutante. Mas despedia-se. Era hora de partir.


Decolou rumo ao México. Seus passageiros, no entanto, não embarcaram para fazer turismo. As pernas tremiam, mas não era de frio. A garganta estava seca, mas não era o ar gélido. Apertavam-se uns contra os outros, arrepios tomavam conta de seus corpos. No entanto, já deixaria de ser inverno. Um homem, José Dirceu, fechou os olhos durante todo o trajeto até o destino não-esperado. Não, não tinha medo de avião. Muito menos de altura. Era o frio aterrorizante que chegou em 1964 e parecia não ir embora. Sentia suas pálpebras congelando lentamente, queria enxergar algo mas era impedido por uma neblina forte e assustadora. O clima era frio. Tensão e medo tomavam conta do Hércules-56.


Desembarcaram no México, casacos em mãos. Tiveram de adaptar-se a uma vida nova, cultura e território diferentes dos seus. Mesmo longe, estavam sob constante vigília. O clima também era frio no México. José Dirceu, o homem cego, tomou seu rumo com a promessa de que voltaria para sua terra natal quando mudassem as estações. E não é que mudaram?


Décadas passaram e José Dirceu é preso mais uma vez. Dessa sucederam-se várias outras. A neblina não marcava mais presença nos estados brasileiros. A primavera havia de fato chegado. Mas com Dirceu sempre seria inverno. Corrupção e lavagem de dinheiro são apenas alguns dos delitos que cometeu, o homem que lutava pelos seus direitos hoje desrespeita quem os têm.


Três de maio de 2017. Chove forte no Supremo Tribunal Federal. Dirceu é solto, mas dessa vez não encara o furioso Hércules. O Brasil é quem encara Dirceu.
É inverno outra vez.

Louie Edmond

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Vejo que o primeiro parágrafo esteja um tanto desconexo, desnecessário. Contudo, o texto foi muito bem escrito e possui perenidade. Houve grande evolução da primeira crônica para cá. A metáfora das estações também foi muito bem escrita. O final, como sempre, fechou com chave de ouro. Parabéns.

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