segunda-feira, 22 de maio de 2017

Não é piada.

Fulano nasceu em uma comunidade da zona norte do Rio de Janeiro. Antes que o leitor já forme qualquer juízo antecipado, digo logo que Fulano era muito feliz. Sua mãe, D. Maria, era o centro de seu mundo. Para ele, jamais poderia existir mãe tão boa quanto a sua: ela dava os abraços mais aconchegantes, os beijos na testa mais gostosos e cantava as melhores canções de ninar, canções estas que não deixavam que ele se amedrontasse com os barulhos que vinham de fora.
E assim foi a vida de Fulano. Não é possível mentir e dizer que ele estava alheio à realidade ao seu redor. Aos doze anos seu melhor amigo, Sicrano, o convidou para conhecer alguns garotos que estavam virando seus amigos e que lhe davam até dinheiro em troca de tarefas, que ele logo lhe explicou. Fulano entendeu aquilo, e na verdade, ficou assustado. Quis sair logo dali. Ao chegar em casa, sua mãe, que trabalhava como diarista, ainda não estava, e ele, sentado sozinho, só conseguia pensar em seu amigo. Somente quando sua mãe chegou Fulano conseguiu chorar, e como sempre, foi acalmado pela voz e pelo abraço de D. Maria. Com o passar do tempo, ele foi se acostumando às tarefas do amigo.
Quando fez dezessete anos, a situação financeira da casa não ia bem. Passavam por algumas dificuldades e tudo que vinha na cabeça dele eram as coisas novas que Sicrano comprava toda semana. Enquanto isso, Fulano tinha que contar os centavos pra tudo, e as vezes nem assim dava. Emprego ele tinha, mas lhe pagavam pouco, além de que sua mãe não o deixou largar a escola, então tinha menos tempo para trabalhar – o que não ajudava na questão dinheiro.
Cansado disso, decidiu pedir ajuda ao seu amigo, talvez se fizesse um pouco do que ele fazia, já pudesse ajudar a situação de casa. Mas Sicrano estava em outra situação, realizava pequenos furtos e assaltos em alguns bairros de classe média.
“Esse é o jeito” Fulano pensava. E pensando assim, acompanhou o amigo em seus assaltos. Com o tempo apenas pequenos furtos já não ocorriam mais. Agora assaltavam carros.
Fulano estava conseguindo juntar o dinheiro que precisava. Havia mentido para a mãe, disse que tinha conseguido um emprego novo e que lhe pagavam melhor. Ele estava decidido, hoje seria a última vez que participaria disso. Chegando em casa contaria à mãe a verdade, sabia que veria seu olhar decepcionado, mas pelo menos tudo que deviam estaria pago.
Enquanto pensava, ele, Sicrano e mais dois esperavam no alto de uma rua um carro para abordarem. E então um apareceu. Eles se aproximaram. Sicrano tirou uma arma e apontou para o carro. Gritos começaram e Fulano podia sentir a tensão de todos ali. O motorista então abriu a porta do carro para sair e, para surpresa e medo dos quatro, apontou uma arma também. “Ele é policial! ” foi tudo de Fulano pensou antes de escutar barulho de tiros dos dois lados.
Sem reação, o que ele conseguiu fazer foi ficar parado. Até que algo o acertou. A dor era tanta que Fulano se sentiu caindo no chão. Naquele momento o que ele queria era que sua mãe estivesse ali para acalma-lo como sempre.
Cicrano, que havia corrido e feito da árvore uma parede, acompanhou com o olhar o amigo caindo no chão. Não sentiu mais nada, a não ser vontade de correr até seu companheiro agora estendido no chão, mas foi impedido por um braço que o puxava e o forçava a sair dali.
Com os três já longe, um grupo de moradores do local começou a se aproximar da cena. Quanto mais gente chegava mais as exclamações aumentavam: “ Tá é certo! Quem mandou virar bandido? ”, “ Antes ele do que um de nossos filhos! ”, “ Ainda bem que foi um bandido! ”.
Enquanto os moradores exclamavam, Cicrano, de cabeça baixa e com lágrimas quase que tapando sua visão, seguia em direção à casa de D. Maria.
Fim.
Peço desculpas aos que esperavam uma história engraçada sobre a situação política do país, quem sabe vampiros lutadores mestres em golpes, ou saudações às ilustríssimas mandiocas. Mas essas pequenas piadas são apenas fragmentos de uma piada maior: a sociedade brasileira. Que exulta diante da morte de minorias, que solta gargalhadas ao saber que mais um político, eleito por ela mesma, roubou dinheiro que é dela.  A melhor, e ao mesmo tempo a pior, piada que poderia contar aqui: o povo brasileiro.

Watson Holmes

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