sábado, 6 de maio de 2017

José. Brasileiro médio. Trabalha desde os vinte e poucos; largou seus planos de adolescente em troca de estabilidade. Concursado público. Beirando os cinqüenta anos, tem orgulho de morar em um apartamento de três quartos. Tem até suíte! “Tudo por mérito próprio”, ele costuma dizer.
            Semana passada um amigo ligou pra bater um papo.
- Viu que esse governo quer que a gente morra de tanto trabalhar? Vê se pode! – Diz Carlos do outro lado da linha, falando da nova reforma da aposentadoria proposta pelo presidente.
- Eu acho mais é que esse povo tem que deixar de ser vagabundo mesmo. Tudo que eu tenho, eu mereci.

Na hora do jantar, sua filha entrega um bilhete da escola, que anunciava a adesão dos professores à greve geral da sexta-feira daquela mesma semana.  
- Sexta-feira? Mas só querem atrapalhar nossa vida. Por isso o governo tem que obrigar essa gente a trabalhar até velho. Querem tudo na mão. 
José, que do alto do seu apartamento, ainda não percebeu o que se passa. Seus sonhos frustrados e sua conta bancária com cinco dígitos o fazem repetir com vontade: “tudo que eu tenho, eu mereci.”. José, o prejuízo não tem medo de altura, já já ele bate a tua porta. Você também vai trabalhar até morrer.
E agora, José?

Eduardo Galeano

7 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Inicialmente achei que a ausência do título fosse deixar a desejar. É sempre bom convidar a cabeça do leitor pelo título. Entretanto, talvez, esse fizesse o texto perder o charme do final. Objetivo, sarcástico... Bem escrito.

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  3. Gostei da referência ao famoso poema de Carlos Drummond no final da crônica.

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  4. Não que o texto não seja positivo em geral, mas o final é a melhor parte. Parabéns!

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  5. O texto está bem escrito e te faz terminar com um sorriso no rosto!

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  6. Bem objetivo e direto, sarcástico e debochado, deu gosto de ler e ainda me arrancou um sorriso pela referência a Carlos Drummond no final. Muito bom!

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  7. Gostei muito do uso da referência e a crítica não precisou ser carregada de adjetivos, você expôs tudo na narrativa. Bem legal.

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