sexta-feira, 12 de maio de 2017

Até o microfone

Peter Arnett estava nervoso. Dentro daquele salão comprido, as vozes das pessoas o parabenizando enquanto ele andava em direção ao pequeno palanque se tornavam sussurros enquanto sua mente voltava às cenas que viveu no Golfo. Relembrava os pensamentos que explodiam em sua cabeça. Naquela situação nem poderia imaginar que um dia receberia um prêmio de “pai do ano”, não sabia nem se ouviria alguém o chamando de pai novamente. Na verdade, naquele tempo tudo que ele pensava era que não podia sair daquele lugar, alguém precisava ficar e dizer o que as pessoas tinham que saber. E todos tinham que saber o que acontecia lá de fato. Ele não iria sair.
No corredor, cada vez que seu pé direito levantava do chão para dar o próximo passo, era como ouvir as vozes das pessoas novamente após um instante de surdez causado por uma bomba, sentia o mesmo puxão, o trazendo de volta ao salão comprido do evento. E cada vez que seu pé esquerdo batia no chão, era como se a terra tremesse após uma explosão, e tremendo, ele voltava às suas lembranças.
Depois de quatro passos mudou do Golfo para o Vietnã, voltou ainda mais no tempo. Agora estava entre alguns amigos, todos repórteres, eles discutiam entre si o porquê da guerra, a quantidade de mortos, e instigavam uns nos outros a vontade de cobrança. Estavam obstinados, tinham perguntas e queriam ter suas respostas. Recordou-se de tantas estórias que havia registrado em campo, e por um momento, sentiu orgulho de si por não ter ficado parado, por ter ido atrás tanto dos que vivenciavam o confronto por terra, quanto daqueles que circulavam pelo ar.
Essa sensação se esvaiu a medida em que começou a sentir um peso sobre seu ombro. Por reflexo, olhou para o local e ao ver uma mão apoiada ali acabou voltando à realidade. A mão era de Colin Powell, que também ia de encontro ao palco. Era irônico que depois de passarem por tantos momentos em que se confrontaram, os dois agora caminhavam juntos para receber um prêmio.
Enquanto subia os degraus e uma música alegre começava a tocar, Peter se recordava dos sons das sirenes de aviso e do barulho dos tiros. Estes prevaleciam em sua mente, e apesar de serem assustadores, ele se sentiu novamente satisfeito consigo, pois mesmo já tendo carregado uma arma em uma guerra, jamais alguém ouvira um som de tiro que tenha sido ocasionado por ele.
A satisfação recém surgida o trouxe de volta, os degraus já haviam passado e agora vinham lhe entregar um pequeno troféu. Ainda influenciado por esse sentimento, ao olhar para a mulher que vinha em sua direção, lembrou da animação que sentiu ao conhecer mulheres de grande destaque, como Benazir Buttho, a primeira ministra do Paquistão. E ainda com esse sentimento recordou-se de todas as vezes que sentiu a emoção de ser jornalista, do entusiasmo que teve, não apenas para reportagens sobre guerra, mas em diversas outras que foram também importantes para ele.
Pediram que fosse ao microfone dizer algumas palavras. E quantas palavras ele já havia dito diante de um microfone! Enquanto caminhava para poder então falar, Peter Arnett não mais se transportou para locais de guerra ou outras entrevistas. Não era necessário naquele momento. Ali, as pessoas não precisavam ouvir sobre decisões do governo, ataques, nem nada disso, mas sim um agradecimento. E então, ajeitando sua gravata colorida, Peter se preparou para dizer o que todos deveriam ouvir, como sempre havia feito.

Watson Holmes

2 comentários:

  1. Gostei muito da visão de pessoa ter sobressaído a de jornalista. Parabéns , só ficou uma pouco cansativo.

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  2. Um texto simples e bom. Gostei do POV de Peter Arnett no texto e da forma que o perfil foi narrado. No entanto, o texto poderia ser desenvolvido de maneira mais aprofundada, faltou um pouco de lirismo, o que acaba comprometendo a perenidade do texto.

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