Hoje o despertador não tocou. Não aquele programado no velho celular com metade das faturas em aberto. Pra sua sorte, ou não, a hélice do helicóptero águia da Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro anunciava a chegada de mais um dia de sua miserável "vida". Oriundo do Morro dos Prazeres, dos quais nunca gozou, teve sua existência marginalizada desde a infância. Filho único de mãe solteira, viu aos 9 anos de idade sua única companhia cometer suicídio. No orfanato, rapidamente se tornou um fiel escudeiro de sua melhor amiga: a solidão.
Ligeiramente atrasado, a corrida até a estação acompanhava involuntariamente os mais mórbidos pensamentos que a mente humana é capaz de produzir. O balanço do trem aguçava o calor da massa, mas, para ele, aquele vapor quente subindo o peito, misturado com o grude do suor que atritava a blusa com sua pele, significava muito mais. Talvez aquele passasse longe de ser mais um dia. O emprego integral de vigilante não fornecia os recursos necessários para sair da comunidade, mas, ao menos, bancava seus 2 maços de cigarro diários.
Cinco minutos. Esse foi o tempo necessário de atraso para que fosse demitido. Sem carteira assinada, seu único direito era usar a última passagem do bilhete carioca para voltar para casa. Ao meio dia, o calor havia aumentado consideravelmente, seu nível de estresse beirava o limite, e a pistola fornecida pelo antigo emprego seguia em sua cintura. Antes de enfrentar o caos dentro do trem, encosta no poste da esquina e alimenta o seu pulmão com o vício da nicotina. Injuriado, os ruídos dos carros eram ensurdecedores, as buzinas o arrepiavam até a última espinha, e as vozes cotidianas das pessoas a sua volta passavam a ser insuportáveis.
Subindo as escadarias da favela, enfrenta o rotineiro processo de ignorar o sofrimento alheio escancarado em seus olhos, dessa vez não consegue. Não tinha mais força para isso, não tinha mais força para nada. A vida o fez de palhaço. O rangido da porta parecia ser uma das últimas perturbações que ele iria ouvir. O suor gelado contrastava com a secura de sua boca, as pernas não respondiam perfeitamente seus movimentos, mas somente as mãos já seriam suficientes. Sentado na cama, se despede da ínfima sensação de estar acordado. Leva a mão esquerda a cintura, puxa a pistola, ergue-a na altura da cabeça, confere se está carregada e finalmente a guarda. Deita na cama e dorme.
Rato Guaraná
Rato, gosto tanto dos seus textos! E esse, obviamente, não me decepcionou! Você tem uma habilidade surreal de transmitir sentimento pelas palavras. Parabéns demais!
ResponderExcluirFico muito feliz, Ellis! Obrigado pelo comentário
ExcluirSensacional,Rato! Seus textos são incríveis e esse, em especial, me tocou de maneiro surreal. Narrativa digna de livro , novela... Extremamente real e carioca , em particular.
ResponderExcluirQue comentário legal , Jubiaba! Muito obrigado.
ExcluirRato, seus textos são sempre incríveis! Eu adorei esse texto, a narrativa criada como forma de interpretação da imagem ficou sensacional. Muito bem escrito, parabéns!
ResponderExcluirFico feliz que você tenha gostado, Asa! Obrigado!
ExcluirUauuuu! Perfeito! Acho que tivemos uma visão parecida, mas você expressou de uma maneira sensacional! Parabéns, Rato! <3
ResponderExcluirVocê também, Elipse! Obrigado pelo comentário!
ExcluirParabéns pelo texto! Como sempre brilhante. Muito bom o desfecho.
ResponderExcluirMuito obrigado, Estrela!
ExcluirPerfeito, Rato! Me passou toda a sensação da foto! A forma como vc escreve é impressionante, parabens!
ResponderExcluirahhh! Fico muito feliz, Homem Macaco! Obrigado!
ExcluirSensacional, Rato! A descrição e das cenas e os detalhes da ambientação foram incríveis, muito imersivos! Mais um ótimo texto, parabéns!!
ResponderExcluirMuito obrigado, Rosto! Sempre tento trazer essa imersão pros meus textos e é bom saber que você gosta!
ExcluirOi, Rato! Amei seu texto, incrível a forma como você escreve! O final me deixou chocada! Transmitiu direitinho os sentimentos! Parabéns, muito bom!
ResponderExcluirMuito obrigado , Letra X! Fico muito feliz, de coração!
ExcluirRato, você sempre me surpreende! Seu texto foi, mais uma vez, impactante e bem construído. Gosto muito como você nos traz as angustias e tristezas de milhões de brasileiros em cada um dos seus textos, de formas diferentes. Parabéns parabéns parabéns parabéns.
ResponderExcluirEspero continuar surpreendendo, Maria! Muito obrigado obrigado obrigado obrigado!
ExcluirOi Rato, gostei muito da forma como vc escreve ambientando o seu texto, com muita riqueza de detalhe, isso me fez sentir mais presente e imersa na sua leitura! Além disso, acredito que essa riqueza de detalhe ajude na eficácia de seu texto ao transmitir sentimentos ao leitor!
ResponderExcluirFico muito feliz, Iris! Que bom que você gostou.
ExcluirRato, gostei muito da forma como você construiu essa narrativa, tão rica em detalhes e significado. A solidão, a agonia, a essência da imagem, tudo expresso com muita beleza nas suas palavras. Parabéns por mais um texto incrível!
ResponderExcluirRato Guaraná, amei muito o texto. Assim como você comentou no meu, eu simplesmente adorei como você conseguiu me prender na narrativa cada vez que ela progredia. Acho que você captou a essência do quadro de um modo que todos conseguiram entender! Parabéns! Beijão <3
ResponderExcluirNossa, Rato, que texto sensacional!!!! Simplesmente maravilhoso, adorei ver o decorrer da história do personagem, por vezes até consegui identificar essas características típicas de um carioca trabalhador. Realmente é assim mesmo... Enfim, incrível! E com esse texto você ganha mais uma fã!
ResponderExcluirBeijos, Estrela!