Em 2019, fui diagnosticada com transtorno obsessivo compulsivo. No início,
para mim, isso não fez nenhum sentido. Na minha cabeça, TOC era coisa de gente
maníaca por limpeza – e minha vida inteira é uma bagunça suja. Mas descobri que essa
voz na minha cabeça que me faz repetir tudo que eu penso em múltiplos de três, em
múltiplos de três, em múltiplos de três, era, na verdade, minhas obsessões.
Estou enrolando vocês. Não quero escrever esse texto. Não tenho vontade de
assumir que meus métodos de alívio são os mesmos desde que eu tinha 14 anos. Não me
sinto confortável em falar sobre isso, ou ler sobre isso, ou falar sobre isso, ou ler sobre
isso, ou falar sobre isso, ou ler sobre isso. Tenho medo de, sem querer, despertar esses
desejos.
Como falar pra diversas pessoas que eu não conheço que quando algo da errado
eu preciso bater minha cabeça na parede? Como assumir que já deixei pessoas me
quebrarem e agora eu tenho doze ossos fraturados no pé? Como tirar essa máscara de
pessoa equilibrada e assumir que a única coisa que me alivia é a dor?
Não quero ser gráfica. Não quero dizer que, mais do que cortar minha perna
(sem força o suficiente para deixar marcas porque não quero ter essa conversa de novo),
o que me angustia de verdade é não poder fazer apenas três cortes porque são poucos,
mas não poder fazer trinta porque são muitos, e não poder fazer quinze, porque quinze é
a metade de trinta, mas quinze não combina com três, e aí eu sempre fico entre doze e
dezoito, mas escolho dezoito porque assim é nove em cada coxa, o que parece mais
certo do que seis.
Como sentir sublimação em uma mente que nunca cala a boca? Até nos meus
sonhos, que na verdade são pesadelos, pesadelos, pesadelos, eu preciso morrer três
vezes antes de acordar gritando. Como se aliviar com uma voz que te diz o tempo
inteiro que quando sua mãe quebrou o pé, a culpa foi sua por subir a escada começando
com o pé esquerdo? Com o sussurro no fundo da cabeça te lembrando que a menina que
você gostava se matou porque você não se esforçou o suficiente?
Quando a arte não basta, pensar sobre não adianta e mudar é impossível, o que
resta? Pelo menos a dor física passa. Dito tudo isso, não se preocupem comigo (uma
pessoa que vocês nem conhecem), faço terapia e, hoje, tenho noção de que não vou me
matar, até porque eu sei o que isso faz com quem está ao redor. No máximo, vou fazer
uma tatuagem – uma das poucas formas que a sociedade aceita que você se permita
sentir dor. Pelo menos, depois eu tenho pena de cortar o desenho.
Sara Maga
Sara, que texto forte. Sério, nem sei o que dizer - e também não sei se existe resposta possível ou adequada. De qualquer forma, ainda bem que conseguiu colocar tudo no papel (ou nas notas de algum canto); isso já é um exemplo e tanto de sublimação.
ResponderExcluirEu também sinto o mesmo que a Bic. O texto me impactou muito, moveu, emocionou e sublimou. Não sei nem como você conseguiu as forças para escrever o texto, mesmo tendo dito que é uma enrolação...
ResponderExcluirnossa, fiquei impactada. Sem nem o que dizer.
ResponderExcluirSara, nem sei ao certo como responder... pôr tudo isso para fora exige uma força e tanto. Você é muito forte e admiro muito isso.
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