sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Buffets imaginários para quem tem fome de verdade

 Faz algum tempo que não vou ao mercado, desde que a vida se fechou lá fora — ou deveria ter se fechado —, mas eu ainda escuto as notícias sobre o preço do arroz ou sobre como mal dá pra comprar um frango inteiro ultimamente. É preciso parcelar o alimento como se parcela a paciência e organizar bem o que tem no armário da cozinha para ele não parecer tão vazio. E o engraçado é que Guedes disse que a inflação não está fora de controle, mesmo agora que nós temos uma lenda urbana em forma de nota de duzentos reais e vários outros problemas. 

A lista é quase infinita, mas a questão é: um país de verdade não pode se alimentar com esperança e falas sem fundamento. Escutar que a inflação não está fora de controle não é nenhum consolo, principalmente quando “inflação” não é uma palavra presente no dicionário de muita gente. Foi só ontem que eu descobri o que isso realmente queria dizer. Mas comida, pelo contrário, é uma palavra tão conhecida que se desenrola pela língua com a mesma calma de quem acaba de acordar num domingo de preguiça e cada sílaba tem um gosto diferente quando pronunciada. 

Gosto de saudade, de tristeza, de medo e de uma esperança quase extinta dentro do pote de sorvete sem sorvete e sem feijão, porque as compras do mês vão se reduzindo cada vez mais e a cozinha vai sobrevivendo aos poucos. Um país de verdade, de gente de verdade, de carne e osso e que tem necessidade de sobreviver mais um dia, não pode se alimentar das falas de alguém tão pouco confiável no jornal e sentimentos infelizmente não enchem o estômago. A inflação pode não estar fora do controle, mas há algum tempo a vida está. Faz um bom tempo que não vejo o dono do mercadinho da esquina sorrir também.


Todos amam tomates


15 comentários:

  1. Seu texto ta maravilhoso, Todos, gostei muito da parte "cada sílaba tem um gosto diferente quando pronunciada". E que fofo seu meme!!

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  2. Está mesmo! Eu gostei de tudo, é muito real. Eu só quero dar bom dia e ver a pessoa sorrindo de volta, mas acho que mesmo quando a gente poder tirar as máscaras vai demorar até esses sorrisos voltarem. Abraços, o negócio é plantar tomate em casa!

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    1. a ideia de plantar tomate em casa é tentadora mesmo, pena que dá sempre errado quando eu tento shjshjshjshj. e eu entendo isso, vivo comentando que sinto muita falta de ver gente, falar com gente e ver elas sorrindo e dando risada, mas a questão não são apenas as máscaras, mas tudo que tem acontecido nesses quase dois anos de pandemia. abraços também ❤

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  3. Seu texto é tocante! É humanizado, sensível... Tentam diminuir nossas feridas com discursos ditos por alguém que não conhece de fato a realidade das famílias brasileiras hoje.

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  4. Há uma linha tênue entre o inominável e a safadeza misturada com covardia. Sempre mantendo a esperança de que chegará um dia onde não se pague 40 reais num pedaço de carne, mas é cada vez mais difícil caminhar num país onde Paulo Guedes é o ministro responsável por planejar a economia. Compartilho contigo a mesma experiência, faz muito tempo que não vejo o dono do mercadinho do sorrir, só em jogo do Flamengo mesmo... Parabéns pelo teu texto!!

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  5. QUE texto, parabéns!!! Queremos comida na mesa, como vc disse: sentimentos infelizmente não enchem o estômago.
    Obs: Essa sua foto criancinha tá a coisa mais fofa kkkkkkkkkk

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  6. Amei seu texto, sério. Acho sua escrita deveras brilhante. Essa parte em específico me tocou bastante: "Gosto de saudade, de tristeza, de medo e de uma esperança quase extinta dentro do pote de sorvete sem sorvete e sem feijão, porque as compras do mês vão se reduzindo cada
    vez mais e a cozinha vai sobrevivendo aos poucos." Meus parabéns :)

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  7. Nossa, esse final pegou aqui. Teve um dia que me pegou de jeito, era um senhor no mercado, reclamando dos preços, que nos outros países não é assim...eu não teria nem forças para tentar debater o assunto. Tem gente agora até acreditando que pode se alimentar de fuzil, né ?

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  8. O título de começo já me impactou, amei o jeitinho família que conduziu seu texto, dói demais ver que a nosso relação com a comida não é mais a mesma, como você mesmo disse até aquela ansiedade que sentimos quando abrimos um pote sorvete para descobrir o que há dentro se perdeu, já era difícil o sorvete, hoje em dia quem dirá o feijão, é triste a situação...Parabéns pela crônica, amei de coração!

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  9. Que crítica maravilhosa! Do título ao meme seu texto tem um impacto muito grande, é muito bem desenvolvido. Ficou ótimo!

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  10. Tomates, eu amei que no meme vc usou seu pseudo arrasouuuuu. Você falou tudo ,de repente inflação dá um nó na cabeça, mas fala comida que todos sabem o que é isso, e principalmente o quão ruim é a falta dela. De fato o que mencionou que não nos alimentamos de palavras, é a mais pura verdade, infelizmente o ministro parece achar que ser humano é só ele

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  11. Ah... Que texto incrível! Da gosto de poder ter lido essa crítica, me sacia poder ver como você conseguiu estruturar suas ideias nessas linhas. Mas não me desce a garganta e nem me alimenta a forma que somos tratados, as poucas políticas que nos asseguram de pelo menos ter algo a mais no prato além do feijão e arroz, que ah! Nem isso virou realidade por aqui devido seu alto custo. É angu agora, e olhe lá porque daqui a pouco.........

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  12. Ai, tomate! Seu texto está tão incrível! Como a Laranjenha falou, o final me fez refletir. Só quem ganha com todos esses preços altos são os grandões, os pequenos vendedores sofrem que nem a gente :(

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  13. O preço tá muito caro mesmo, todos amam tomates!! Ficamos tristes com isso, ao contrário dos caras lá de cima. Eles estando felizes me deixa extremamente chateado

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