Abro a caixa.
Derrubo as peças em uma toalha quadriculada na mesa da cozinha.
Vou de uma em uma procurando as das beiradas.
Encontro a do canto superior direito.
Encaixo a primeira dupla e começo a montar.
Passeio os olhos pelo desenho estampado na embalagem. Observo atentamente os recortes
laterais dos quadradinhos.
Penso em estratégias.
Não funciona.
Crio outros planos.
Não funciona.
Desmonto um canto e recoloco n’outro lado.
Não funciona.
Remonto tudo e volto ao planejamento do início.
Em tempo, tenho metade do quadro completo.
Mas ainda faltam algumas partes perdidas. Esquecidas. Que sobraram ao final do jogo e não
encontram o buraquinho adequado para se acomodar.
Na janela, os últimos raios dourados anunciando sua partida.
No chão, as peças espalhadas sobre o tapete.
Em cima da mesa - que já não tem mais a toalha - o manual de instruções com a foto do
quebra-cabeça pronto.
Pensei em continuar no dia seguinte. Ou até desistir, se não adiantassem mais algumas
tentativas.
Nesse caso, eu jamais saberia se era a mesma imagem da propaganda. E se eu tivesse sido
enganada? Sem contar que “deixar para depois” me obrigaria a dormir com aquela sensação
agoniante de que falta algo em algum lugar.
Me apropriei da paciência que restava e redistribuí os pequenos pedaços de papelão
ilustrados.
Retomei de onde parei.
Tentei aqui.
Tentei ali.
Em busca do(s) encaixe(s) perfeito(s).
Aos poucos, foi ficando mais fácil.
Mesmo que, por vezes, parecesse indecifrável.
Era desafiador, intrigante e curioso.
Apesar do cabelo descabelado.
Finalmente, vi a figura ganhando forma.
Podia enxergar o castelo e uma princesa; sem a cabeça - ainda tinha que montar a cabeça.
Junto os pedaços fragmentados.
Completo o topo da torre contornada.
Finalizo a boca, os olhos e o nariz da boneca.
Enfim, pego a última peça.
Como um troféu.
Enfio (apertada) naquele espaço.
Dedicado exclusivamente para ela.
Para este momento.
Tudo estava em seu devido lugar.
Na posição ideal; que fora feita, pensada e recortada exatamente para este fim.
Olhei para todas aquelas mil peças.
Cuidadosamente completas.
Senti alívio.
E depois, indiferença.
Nem valia tão a pena assim.
Bic Cristal
Acho que eu quebrei a cabeça tentando entender o texto, Bic. Porém, eu acho que a ideia geral do que você estava querendo passar eu entendi. Essa força, essa teimosia para no final: poof! Sentir que não valeu a pena. Eu acho que eu sinto isso mais do que eu deveria, o que não é algo bom. Fico me perguntando toda hora se é por causa da coisa que *realmente* não valia tão a pena ou se é eu mesmo que não consigo verdadeiramente ficar satisfeito. Disso eu tenho medo. Enfim! Ótimo texto, Bic, mesmo tendo sido um pouco mais complexo de se entender — ou eu que sou burro mesmo? — abraços!
ResponderExcluirGostei muito do seu texto. Acho que sou alguém teimoso, então essas situações que a gente tenta, tenta, tenta, mas no fim a gente vê que nem valia a pena tudo isso, é bem comum para mim também. Não é uma frustração, mas porque as coisas na nossa cabeça parecem ser geralmente melhores do que a realidade? Intrigante.
ResponderExcluirAs vezes nos desgastamos por pessoas e situações, sem necessidade, mas de certa forma é necessário para enxergarmos nossos limites, serve de aprendizado para não nos desapontarmos, muitas vezes criamos uma ideia sobre algo ou alguém que só pertence a nossa mente, não a realidade. Amei sua crônica, parabéns <3
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