quinta-feira, 12 de agosto de 2021

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— Quer começar?

— Por onde? — Eu pergunto.

Ela dá de ombros, sentada a cinco passos de distância:

— A sala é toda sua.

Eu respiro fundo e prendo o ar pelo máximo de tempo possível.

— Não faço mínima ideia. Eu… Não tenho feito muita coisa ultimamente, sabe? Todo

dia é igual. Quase igual. O engraçado é que eu tento pensar em tudo como um ritual, então eu

acordo, abro a janela e penso “tenho que deixar o barulho do mundo entrar”, mas no instante

seguinte a janela está fechada de novo. É barulho demais pra mim. E tem a faculdade. E todas

as coisas acontecendo lá fora. Eu não sei lidar com nenhuma delas. Nenhuma. Ah, e eu sinto

falta dos dias de chuva. Eu gosto dos dias de sol, de verdade. Dias de céu azul quase cegante.

E das noites de verão. Gosto do céu limpo e de poder ver as estrelas. Eu me sinto a pessoa

mais especial do mundo quando olho pra cima e vejo alguma constelação conhecida. Na

minha cabeça eu sou a pessoa mais sortuda do mundo nesses momentos. Mas eu sinto falta

dos dias de chuva, não houveram muitos esse ano, não é? Dia de chuva é bom pra jogar

conversa fora sobre qualquer coisa. Acho que da lista de coisas que eu mais gosto no mundo,

jogar conversa fora está entre as dez primeiras. Conversar e esquecer do tempo passando,

sabe? Esse tipo de coisa. E nem precisa ser com alguém que eu já conheço ou alguém que eu

gosto muito. Pode ser com qualquer pessoa. Alguém que eu só vou ver uma vez na vida. Mas

esse tipo de coisa só funciona quando a gente pode ver a pessoa e ver as expressões se

moldando no rosto dela ou as mudanças no tom de voz. E sabe a pior parte? Eu estou presa

dentro do meu quarto. Tem dia que eu me sinto cansada sem nenhum motivo. E tem dia que

eu sinto esse rio todo aqui dentro. É um rio infinito e sem nome e ele transborda. E eu gostaria

de saber escrever sobre as coisas, mas eu nunca sei que palavras usar. Eu também dou voltas

demais e o meu dicionário imaginário de bolso é bem pequeno. E tem essas metáforas

horríveis, quem usa esse tipo de coisa? Mas falar sobre qualquer coisa me faz bem, alivia o

peso dos dias. É por isso que eu gostaria de tentar escrever, acho. E eu já tentei, uma dúzia de

vezes. Não deu certo em nenhuma delas. Eu já tentei um monte de coisas e desisti de todas

elas. E acabei de lembrar que esqueci de beber água. Ah, tem esse filme que eu vi ontem

também. É um filme incrível. Quer dizer, não exatamente incrível, mas eu amo ele. A trilha

sonora é como as playlists já prontas do spotify, mas a história é super divertida. As cores

também, eu quase sempre reparo nas cores, mesmo sem saber nada sobre a parte técnica dos


filmes. Você acha estranho? É um pouco, não é? Mas o nome dele é “Booksmart”. Eu gosto

dele, sem nenhum motivo específico mesmo, acho que eu só preciso de uma dose de diversão

de vez em quando e ele cumpre essa tarefa. É, acho que nada mais aconteceu. Nada de

realmente interessante. Quer dizer, aconteceu muita coisa. Todo dia eu recebo uma lista de

notícias do nexo no e-mail, tem vezes que aquilo acumula por dias e eu sinto como se o

mundo tivesse andado e eu tivesse ficado pra trás. Eu nunca consigo ler tudo também, às

vezes nem mesmo as manchetes e essa quantidade toda de informação me deixa desesperada,

um pouco muito desesperada, mas eu também não quero não saber do que está acontecendo. É

como se meu coração estivesse indo correr uma maratona. As olimpíadas já até acabaram.

Nem vi o final. Não tem muita coisa pra falar mais. Eu sei que tem coisa demais acontecendo,

mas eu não consigo organizar todos esses acontecimentos na minha cabeça. A música já até

acabou.


Todos amam tomates

2 comentários:

  1. É... eu entendo bastante esse sentimento. Não em jogar conversa fora — acho que não sou muito bom nisso — mas esse sentimento terrível de estar parado. De estar imóvel, sem nada acontecendo e quanto mais esse sentimento se intensifica, mais a minha mente acelera. Provavelmente é um sentimento normal nesses tempos, mas não consigo separar isso de ser algo só meu. É bom saber que eu não estou sozinho nessa. Gostei muito! Não esquece de dar play na próxima música, vai ficar um pouco melhor.

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    1. eu concordo quando você diz que é um sentimento normal nesses tempos, e é mesmo, mas cada pessoa experimenta ele de uma forma, então nunca é algo único, sabe? além disso, esse sensação de paralisia eu entendo perfeitamente bem, tem dias que eu me sinto morta por dentro e mal tenho vontade de abrir os olhos, é como se eu estivesse sentindo o mundo todo desabando sobre mim. e não, você não está sozinho, vamos escutar música juntos da próxima vez e jogar conversa dentro sobre qualquer coisa, primeiro porque jogar conversa fora não se faz e segundo porque falar sobre qualquer coisa, pra mim pelo menos, sempre melhora tudo ❤

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