quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Num futuro próximo

 Vou perguntar ao meu marido se posso comprar


Vou falar com meu namorado se posso sair hoje


Meu pai não pode saber que a minha mãe está quem pagou aquela conta do dinheiro dela


Tenho diploma de jornalista, igual ao meu marido, mas nunca exerci para cuidar das crianças, enquanto ele é bem sucedido na carreira


Preciso ir preparar o jantar do meu marido



São essas e tantas outras frases que denotam ao falocentrismo das relações homem e mulher e também nas relações das mulheres em sociedade


que entristecem



Estou estafada


Faz tempo que me sinto assim


Meus dias precisariam de, no mínimo, o dobro de horas para que eu pudesse fazer com tranquilidade cada passo a passo prescrito no livro da minha rotina


No entanto


Essas e tantas outras frases me impulsionam a viver cada segundo 


Feliz, alegre ou triste


para que 


num futuro próximo - assim eu espero


Eu não precise escutar saindo da minha própria boca nenhuma dessas


Tudo isso, enquanto toca no Spotify versos em vozes femininas como


“Uma tigresa/ de unhas negras...”


“...E enfrentar o dia-a-dia/ Reaprender a sonhar…”


“Respeito muito minhas lágrimas/Mas ainda mais minha risada…”


“Se acaso me quiseres/ Sou dessas mulheres que só dizem sim/ Por uma coisa à toa, uma noitada boa/ Um cinema, um botequim…”



Gosto também de assistir e reassistir a um filme que encontrei, por um acaso, há uns anos atrás, quando baixava filme no torrent do wifi do vizinho para assistir quando estivesse em casa


O diário de Bridget Jones


Ele é a história de uma mulher que sofre amorosamente entre dois amores


Tem uma família doida


Uma vida bagunçada


Mas tem sua própria casa, sua própria vida e um emprego 


É a materialização dos problemas que eu quero ter


Seria mais fácil se eu dissesse que preferiria não tem problemas


porém, como bem diz o senso comum: problemas todo mundo tem


Que os meus não sejam pautados em relações falocêntricas em que vou precisar viver os problemas de uma pessoa que não sou eu ou ter problemas por não poder viver os meus próprios problemas



Quero viver para mim e por mim


Ser o que eu quiser ser, quando eu quiser sim e se eu quiser ser


E se para isso eu preciso estar estafada


Que seja para que


Num futuro próximo


Eu possa me ouvir dizendo



Vou comprar


Vou sair hoje


Eu ganho para pagar aquela conta


Sou uma jornalista bem sucedida


Sou mãe


Sou mulher


Sou esposa, e daí?


Meu jantar está pronto?



Não sei por onde vou/ Não sei para onde vou/ Sei que não vou por aí! Obrigada, José Régio, por ter escrito esses versos que na voz de Bethânia me mostraram tantos significados ainda na adolescência. 



--

Don't call me Madam. 


'                               Prazer, 

                                                                               Perua. 

8 comentários:

  1. Que incrível crônica, Perua!!! Gostei muito, muito! Eu acho esses desejos por liberdade, por autenticidade e por individualidade tão bonitos e verdadeiros. Acho que vai dar tudo certo! ps: mais um texto dessa semana que tem música. O que nós seriamos sem as nossas músicas?

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    1. Música é t u d o, né? Eu acho que eu não seria ninguém sem música e pelo visto todo mundo aqui pelo menos hahahahhahaha Obrigada, Asa. Nem te conheço mas ja considero pakas

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    1. Não queria dizer pois já está ficando repetitivo, mas de fato tive uma identificação, acho que por exemplos familiares sempre quis ter segurança a partir de mim mesma, sempre, desde criança me projetei tendo o que é meu a partir de mim.

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    2. Exatamente. Você ilustrou bem. Acho que essa coisa do exemplo familiar faz todo sentido. Legal. Bom que nos identificamos num denominador comum. Beijos Laranjenha

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    1. Que bom que você gostou. Beijos, Eurídice minha querida. Que houve que essa semana nossas crônicas não estão postadas em seguida uma da outra? hahahahahah você ja reparou isso?

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  4. lindo, perua! amei muito os versos, os filmes e todos os seus pensamentos! arrasou como sempre ;)

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