quinta-feira, 30 de maio de 2019

Laços

   Francisco afastou o copo de cerveja enquanto escutava o rádio. Aquele momento não era de bebedeiras. Todas as estações anunciavam a mesma coisa: Getúlio Vargas, o pai dos pobres, estava morto. Francisco não sabia o que sentir, se recordava dos discursos acalorados de Vargas, de como ele encheu a ele e todos os outros funcionários da fábrica de esperança quando anunciou as leis dos trabalhadores. Ele se levantou, deu um laço com o lenço vermelho em volta do pulso, presente que sua mãe havia costurado para ele no primeiro dia de trabalho, precisava buscar sua filha já escola. 
   Zuleica sentia que estava esquecendo alguma coisa. Revisou todas as placas e faixas que havia prometido fazer para a passeata das Diretas Já. Desde que atravessou a ponte e se matriculou na faculdade de História, ela sempre participou de todos os eventos estudantis possíveis. De repente se recordou, o lenço vermelho, presente de seu pai quando ela foi aprovada, era isso que havia esquecido. Ela usou ele para prender o cabelo com o laço. Carregando as placas, saiu às ruas para gritar pela democracia.
   Elis sempre gostou de se maquiar, mas desde que aprenderá a usar os pincéis, nunca havia passado tinta cinza no rosto. Ela e os amigos haviam combinado de ir às ruas protestar, sua pós graduação em Economia sempre disse que os planos de calor não poderiam dar certo. Ela passou a mão pela barriga, seu filho parecia estar animado com a passeata também, pegou o lenço que sua mãe havia a presenteado quando descobriu a gravidez, parece que era uma herança familiar usada em momentos difíceis. Amarrou no pescoço e foi para as ruas
   Vladimir acordou o seu namorado, eles estavam atrasados. Seu primo já havia o ligado para avisar que só faltavam os dois. Desde as eleições do ano passado, Vlad temia por momentos assim. Ser gay e estudar em uma faculdade pública já eram um afronta gigantesco, tudo isso cursando Jornalismo? Ele se vestiu, marcou um x no calendário, dia 30 de Maio. Ele pegou o lenço vermelho em cima da mesa, amarrou com um laço em volta da boca, e foi para a rua.
Eclipsa B

Um comentário:

  1. Oi, Eclipsa!
    QUE TEXTO FOOOFO! Achei muito criativo e original você contar a "história do lenço" através das manifestações e tal.

    "Francisco não sabia o que sentir, se recordava dos discursos acalorados de Vargas, de como ele encheu a ele " ---> A repetição do "ele" aqui ficou bem confusa, dava pra ter substuído por outro pronome.

    Essa é a única crítica mesmo :)
    Beijos <3

    P.S.: Vladmir é muito nome de vampiro (quem concorda respira). Desculpa, mas eu imaginei o personagem no estereótipo do vampiro mesmo jakdjad

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