quinta-feira, 16 de maio de 2019

Dicionário bolsonarista

"Quero cursar sociologia", disse Antônio que estava com dúvidas sobre a profissão que seguiria. "Licenciatura", completou.
"Sério? Que bom que você se decidiu, meu filho", respondeu a mãe contente e com uma certa preocupação com a escolha do menino.
O Sisu abriria no dia seguinte e a nota de Antônio era adequada para o que ele desejava cursar.

Semanas depois, o resultado. "Parabéns! Você foi selecionado na chamada regular". Ele não podia ter lido uma frase que trouxesse tanta euforia no seu coração. Foi correndo abraçar sua mãe. Em seguida, foi procurar seu pai na sala que estava pendurando um quadro do novo presidente, Jair Bolsonaro. "Pai, consegui! Vou para Federal!"
O pai terminou de fazer o que estava fazendo, abraçou o seu filho e pediu para que ele se sentasse. "Tem certeza disso, Antônio? Ser professor de sociologia irá te tornar em mais um esquerdista, um doutrinador. Esse povo é contra o governo, contra a ordem e o progresso do nosso país. Você devia seguir uma carreira diferente como eles", disse o pai do garoto apontando para os quadros de suas maiores referências como o militar Arthur Costa e Silva, o astrólogo Olavo e agora o quadro do atual presidente da República.
"Pai, você está dizendo que por ser um professor, sou um inimigo do Governo? Que seja! Por que estudantes e professores são adversários? Não consigo entender". Depois dessa fala, Antônio saiu com lágrimas nos olhos, mas ao mesmo tempo com uma determinação veemente em seu coração.

Março de 2019. A semana louca do trote. Antônio não conseguiu muito dinheiro, aliás quando ele respondia a pergunta sobre o que ia cursar, muitas pessoas não davam nem poucas moedinhas porque ele sempre ouvia "veterano não ajuda calouro" ou "Sociologia? Não vou dar dinheiro pra mais um esquerdista". 

Agora era pra valer. Seu primeiro dia de aula. Uma multidão de sentimentos em seu coração. Enquanto estava se arrumando, precisou ir a sala para pegar o dinheiro da passagem e viu seu pai colocando mais um quadro na parede. Agora era do vice-presidente.

No quarto, terminando a pesada mochila com coisas que só um calouro leva, ligou a televisão e estava passando uma entrevista da GloboNews com Jair Bolsonaro.
"Os professores são opositores desse do governo, idiotas úteis!" disse o presidente com toda arrogância possível, como se já tivesse frequentado um ambiente acadêmico. "Na salas de aula não passam de doutrinadores. Um bando de esquerdopatas que controla as universidades e escolas públicas! Apoio a decisão do ministro Abraham em cortar 30% verbas!"
Antônio ficou impressionado e desmotivado com o significado da palavra "professor, educador" no dicionário bolsonarista. Se Paulo Freire ouvisse o discurso certamente choraria.
 
Voltou a sala para pegar seu tênis meio rasgado e ao passar pelo corredor, se entristeceu ao olhar todos os aqueles homens que apoiaram a ditadura e celebraram a tortura, visto que eram exemplos para seu pai e agora para quase toda população.

 Porém, antes de sair para seu primeiro dia de aula, Antônio olhou para o quadro que havia em seu quarto onde estava a foto de Darcy Ribeiro, um dos pensadores que mais admirava. "A crise na educação não é uma crise, mas sim um projeto", era a frase ao lado da imagem que inspirava Antônio.
Ao ler isso, o futuro professor entendeu que toda falta de investimento na educação superior e básica era uma estratégia. Saiu de casa e foi para universidade sabendo que estava prestes a se tornar um revolucionário, pois nada podia mudar de forma tão radical o seu país agora do que o conhecimento.
Joey Tribbiani 

2 comentários:

  1. Oi, Joey! Seu texto ficou ótimo!
    Aliás, me fez pensar numa coisa: O QUÃO BIZARRO SERIA SE UMA PESSOA RELMENTE TIVESSE TODOS ESSES QUADROS PENDURADOS EM CASA?! Quer dizer, se você conhece alguém assim kkkkkkkkk eu nem sei o que dizer, porque é bizarro pra caralho!
    A parte mais dolorosa do texto foi perceber que o pessoal de filosofia e sociologia realmente deve estar se sentindo assim. (Aliás, todo mundo tá meio assim, mas imagina eles?!)

    "Se Paulo Freire ouvisse o discurso, certamente choraria." ---> Nesse trecho aqui você esqueceu de botar a vírgula

    Beijos <3

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    1. Oi, Leena! Sim, seria muito BIZARRO kkk. Lendo meu texto de novo pude encontra alguns erros além da vírgula que você citou. Vou escrever com mais atenção na próxima vez. Valeu pela avaliação!

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