quinta-feira, 2 de maio de 2019

CÉLIA E SUA AMIGA

É possível ter tantos amigos e precisar de cada um deles? Me perguntaram se amizade e necessidade são unidas. Se são irmãs brigadas não trocando olhares na ceia de natal, daquelas que apenas se aturam ou gêmeas grudadas e parceiras de essência. Qual o propósito de meia centena de amizades se sempre pela metade? Duvidaram que eu poderia ter tantas, amar e necessitar. Acusaram-me de coletar pessoas como figurinhas, em relações fúteis e automáticas.

Na primeira quinta feira do último dia do ciclo, encontrei a resposta. Ela estava no diálogo de duas companheiras aproveitando a noite, diferente de mim.

Á direita, uma bela senhora de idade confusa. Seu nome era Célia e eu soube disso porque ela deixava claro mesmo que ninguém perguntasse. Célia conversava, discutia e se divertia com uma amiga, ou como a própria Célia fazia questão de dizer: melhor amiga. O contorno do corpo de Célia era povoado por rugas. O topo da cabeça grisalho contrastava com a energia e olhar jovens, nada passados. Vivia aquela discussão com sua amiga de forma que eu nunca vi ou vivi. Á esquerda de Célia, estava sua parceira. Esta que já estava meio velha, passada. Seu contorno era brilhante, quase como vidro, sob um corpo amarelado na luz do sol. Seu topo era crespo e branco e ela se limitava a não responder com a mesma intensidade de Célia.

Célia já não parecia mais tão sã. Era só olhos tortos e bêbados. Prestando atenção na conversa e aplicando senso comum, você já sabia que a responsável pelo estado de Célia era sua amiga. Amiga que seguia imóvel na esquerda e, por Deus, ela estava em cima da mesa! Era uma amiga ousada. Célia lançava palavras com tanta força e tanta energia. Tanta felicidade. Não era só uma amizade, era um amor. Um amor? Talvez um vício. Uma relação visceral de necessidade. Ultrapassando barreiras humanas.

É possível ter tantos amigos e precisar de cada um deles? Observando Célia e sua companheira, tão amarga e líquida, percebi que cada um de nós experimenta necessidade e amizade da forma que nos faz sentido. Se eu sinto que amo e preciso de cada uma das pessoas que amo, quem são vocês para me julgar?

Mas acho muito interessante pensar que nunca teria chegado à conclusão nenhuma se não tivesse parado naquele bar, admirando a jovem idosa Célia batendo o mais interessante dos papos com sua própria cerveja. Cerveja quieta, líquida, amarga, de topo crespo e branco e como Célia fazia questão de dizer, sua “melhor amiga”.

E juro por tudo que é sagrado, nunca mais vi relação tão forte.
Festa Intensa

2 comentários:

  1. Oi, Festa. Não sei quando você achou que era ok para os seus leitores descobrirem que a melhor amiga era a cerveja, mas eu descobri muito antes de você revelar. Não posso criticar isso porque não sei se foi intencional ou não. Fica aí só minha observação.
    Duas vezes você colocou o acento agudo quando deveria ser usado o acento grave. Em "Á direita" e "Á esquerda".
    Abraços!

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    1. Agradeço o comentário! Pura desatenção com os acentos da minha parte. E sobre a descoberta da amiga, eu queria revelar mesmo no primeiro "líquida e amarga". Vendo que fico óbvio, vou fortalecer a ilusão para festas futuras.

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