quinta-feira, 23 de maio de 2019

O amor que se perdeu nas ondas

Os raios de sol entravam pela janela do quarto, anunciado a chegada de mais um dia. A primeira coisa que a Edna fez ao acordar foi olhar para o calendário em sua mesa de cabeceira: 15 de outubro de 1955. A data circulada saltava aos olhos, trazendo a euforia que só o fim de uma longa espera era capaz de dar. Sorriu e levantou apressadamente, tratando de cuidar de todos os detalhes que precisava para o grande evento do dia.

Natação era sua paixão desde criança. Nas férias, costumava aproveitar as visitas aos parentes para aguçar seu espírito aventureiro, então não seria errado dizer que tinha crescido nas águas das cachoeiras e rios que banhavam o interior do estado. De brincadeira de menina, o passatempo acabou virando aspiração para o futuro.



A Enseada de Botafogo nunca havia parecido tão lotada. Centenas de pessoas se amontavam buscando pela vista perfeita da piscina olímpica - primeira do Brasil - instalada dentro da Baía de Guanabara. As competidoras, por sua vez, faziam os ajustes finais em seus trajes de banho e se alongavam, prontas para o embate. Dada a largada, todas deram o melhor de si, prendendo os olhares dos espectadores na piscina de água salgada do começo ao fim.

Edna não ganhou a competição. Ao invés de ir ao encontro da família, se apressou na direção oposta assim que saiu da água. As lágrimas de decepção se misturavam às gotas salgadas que a encharcavam, e tudo que ela menos queria era ver o olhar de tristeza - talvez até pena - de seus pais. Sua mente insistia em torurá-la com um insessante flashback de todos os momentos que cercaram o campeonato: os dias contados no calendário, os convites enviados pelo correio para que familiares distantes fossem assistí-la, as conversas nas quais se gabava com as amigas sobre como era ser uma atleta...Naquele momento, cada recordação era dolorosa demais, torturante demais para quem acabara de ver um de seus sonhos escorrer pelos dedos como água.

Se a garota não ganhou nenhuma medalha ou prêmio, o universo se encarregou de presenteá-la com algo que seria ainda mais especial. Perdida entre seus devaneios enquanto se deslocava entre a multidão para chegar ao vestiário, acabou se desequilibrando e quase caindo de cara no chão. Teria sido um tombo feio, se não fosse pelas mãos firmes que a seguraram e impediram a queda. Impediram uma, e causaram outra.

- Você está bem? - a voz melodiosa fazia um conjunto perfeito com o sorriso charmoso e os olhos esverdeados que a jovem agora não sabia mais parar de encarar.

- S-sim...Foi só um susto, graças a você. Obrigada. - respondeu, se recompondo.

- Não precisa agradecer. Você...Você é uma das moças que estavam nadando, não é? Uau, a competição foi incrível!

- Sou, mas eu não ganhei... - lamentou, ficando meio sem graça e fitando o chão.

- Ah, isso não importa! Eu não conseguiria nadar nem em um quarto da velocidade que qualquer uma de vocês nadou! Pode me considerar seu fã! Qual o seu nome?

- Edna.

- Prazer, eu sou o...

- Edna! Edna! Finalmente te achei, garota! - a voz ofegante e um pouco preoucupada da mãe da nadadora interrompeu-o - O que te deu na cabeça? Eu te procurei por toda parte! Venha, contrataram um fotógrafo e querem bater um retrato com todas as competidoras! - a garota foi puxada pelo braço, sem nem ter a chance de se despedir do rapaz.

A história que poderia terminar como apenas uma gentileza casual de um desconhecido, acabou se tornando algo mais. Por pura irona do destino, André - como a menina logo descobriu que o jovem se chamava - era sobrinho do fotógrafo e foi aprensentado pelo tio a todas as moças que disputaram o torneio. Ele, obviamente, acabou tendo olhos para só uma delas.

A conversa que tinha tudo pra durar poucos minutos se extendeu por horas, sendo encerrada com um papelzinho que continha o endereço do hotel no qual o moço estava se hospedando. Por pouco mais de uma semana, se encontraram todos os dias. No início, passearam por aí como quem não quer nada, ela mostrando seus lugares favoritos da cidade, e ele fascinado por mais do que só a paisagem. Não demorou muito para começarem a andar de mãos dadas e o primeiro beijo veio logo em seguida. O que parecia o início de um conto de fadas, logo teve que acabar, porém.

André teve que voltar para Niterói para trabalhar e ajudar a família, enquanto Edna decidiu abandonar a natação - por pressão da família - e virar professora. O quase-casal trocou cartas por algum tempo, mas a distância acabou por falar mais alto e as ondas do mesmo mar que os uniu trataram de levá-los por caminhos diferentes.




- O trânsito 'tá pesado hoje, deve ter acontecido alguma coisa... - a voz do taxista fez Edna - agora Dona Edna - desviar o olhar das águas da baía e se voltar para os carros enfileirados à sua frente, notando o engarrafamento. Toda vez que sismava de visitar a neta que estudava na federal em Niterói, passava o caminho fitando o corpo d'água que separava as duas cidades e se perdia no passado. Pensava em quando as dores da velhice não eram um peso em suas costas, em quando aquela água era bem mais limpa e o foco de seu grande sonho, em quando estar submersa era como estar em casa, em quando era moça, ingênua e livre. Acima de tudo, pensava nele.

Mais de seis décadas tinham se passado, mas era impossível não tentar imaginar como André vivia - ou tinha vivido - sua vida. Será que tinha se casado, construído família, tido filhos, netos? Será que ainda se lembrava da jovem nadadora que conheceu um dia? Será que fazer a travessia Rio-Niterói despertava nele as mesmas lembranças?

Além de teorizar sobre a vida de seu antigo amor, a senhora também costumava se perguntar como tudo seria se os dois fossem jovens nos dias de hoje. A facilidade dos celulares e da internet parecia-lhe mágica, e dentro de si tinha certeza de que só a existência da ponte já seria o suficiente para que sua versão de 20 anos não desistisse do rapaz que a conquistara.

Respirou fundo, olhou as horas no relógio analógico de pulso e tirou um de seus muitos remédios de dentro da bolsa. Por mais que desejasse, os anos de juventude não voltariam. Sua grande história de amor tinha se perdido nas ondas.

Leena Charpentier

2 comentários:

  1. Oi, eu!
    Você não contava que a formatação do texto ia ficar tão merda no blog, né? Quando você escreveu tava tão bonitinho...
    Soframos juntas!
    Um beijo <3

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    1. Percebi também uns erros bizarros q eu com certeza teria visto antes se tivesse revisado melhor kkkk
      Que mico

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