quinta-feira, 23 de maio de 2019

Esconderijo a céu aberto

    Tenho pena do leitor que não pode te ler como eu leio. Em cada mente vai ter um você diferente do meu, uma gota da sua essência moldada ao espelho de cada um. Mas não é isso que são as histórias? Ora, os escritores são meros provocadores de pensamentos. O verdadeiro autor é quem dá vida ao cenário na própria mente. As palavras escritas no papel são só o roteiro, livre para ser moldado ao panorama de quem vê. Pode ser abstrato ou concreto, real ou fictício, no plano das idéias ou a alguns passos de nós.
   Aquele era o seu lugar. Depois virou meu também. De muitos. Palco onde diversos atores e atrizes protagonizam sua peça do dia a dia. A grama pontiaguda e a infinitude  de insetos fazem-se convidativos àquela variedade de autores. Fuga do mar de concreto, da burocracia, da obrigatoriedade.  Recanto - que de pequeno não tem nada. Um esconderijo a céu aberto que todos querem chamar de seu.
   Talvez seja o calor do sol de fim de tarde que envolva o coração e transporta-nos para uma outra atmosfera onde se fala o que sente, quando em grupo. Mas tem gente que vem só e se conforta com a noção de continuidade ao olhar o caminho cintilante que o reflexo do sol percorre na água até a linha do horizonte. Essa água tremeluzente, dançando no ritmo dos ventos, convidando a adentrá-la. Tão perto e tão distante ao mesmo tempo, mergulhar de cabeça é fatal. 
    Nesse momento, você me olha. Igualmente convidativa, igualmente imprevisível. A luz dourada realça as mechas mais claras do seu cabelo e os detalhes do seu rosto. Seus olhos sempre  tiveram esse desenho? De uma hora pra outra, tornam-se tão brilhantes quanto as luzes da ponte Rio-Niterói brilhando ao fundo.
    Me pego imaginando se o pôr do sol nos olhasse, o que ele pensaria. Se lesse nas entrelinhas das nossas expressões e encontrasse o não-dito. Será que nos deduraria? Poderia ser nosso cúmplice. O produtor de todos esses espetáculos. Afinal, quem somos nós sentados nesse tapete verde se não meros figurantes, fazendo parte desse cenário que é a própria vida?
Toninho Rodrigues

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