quinta-feira, 23 de maio de 2019

Descaso

A complexidade dessa paisagem se esconde por trás de uma simples baía e de apenas uma ponte de concreto. Eu vejo águas que escondem histórias tão diversas e interessantes, mas nunca irei ouvi-las. Dos primeiros contatos com os humanos, quando foi denominada de guana (seio) bara (mar) – mar do seio – pelos índios, até as várias visitas de agentes da prefeitura prometendo acabar com a poluição no local.
Seu nome original fazia uma referência a seu formato, mas também, principalmente, à fartura de pesca que o local proporcionava. Hoje, eu olho para a baía e percebo sacolas plásticas, esgoto, latinhas de alumínio e outros tipos de lixo. Nada como antigamente. Os peixes presentes estão contaminados e doentes. Os golfinhos estão morrendo em quantidades enormes. As tartarugas nunca mais vi.
Eu olho e imagino a realidade de algumas décadas atrás – um barquinho com um pescador, bem humilde, em busca de algum fruto do mar, evitando que sua família passe necessidade. Penso no seu dia a dia, ele sai bem cedo e faz várias viagens, pescando e apreciando a fartura do local, agradecendo por existir um lugar desse. Volta remando bem devagar, mas não antes de apreciar aquele pôr do sol. E que paisagem em?! Divina, encantadora, e ela só fica mais bonita. Isso já não existe mais. E se existe, não é da mesma forma.
Hoje, a gente tem a barca Rio-Niterói, mas ela não está ali para desfrutar o que a baía tem para oferecer. Ela faz a sua função, claro. Algo monótono, automático e poluente. Com passageiros cansados e apressados, num sistema que não percebe os peixes mortos e os cascos de tartarugas quebrados pelo caminho. O pôr do sol é difícil não perceber, mas apenas algumas fotos são tiradas para exibir no instagram. E no outro dia é tudo igual.
Quantas crianças vão nascer, crescer e ouvir histórias que isso aqui era onde a diversão acontecia. Várias Marias e Camilas imaginando os fuscas estacionados na orla em 1970, e seus donos fazendo um churrasco enquanto iam se refrescar em águas limpas, com peixes e aproveitando o frescor da maresia.
Eu estou aqui, de frente para a Baía, pensando na sua história e na sua origem. O que ela passou, quase morrendo, quando os humanos tomaram conta da sua individualidade, da beleza e da praticidade que ela oferecia de bom grado. Queria poder pedir desculpas a Guanabara, o mar do seio, por não poder fazer nada enquanto nos aproveitamos da sua fartura.
Austen dos Anjos

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