quinta-feira, 23 de maio de 2019

Ela Partiu

  Eu não sou uma mulher de muitas histórias extravagantes ou emocionantes. Na verdade sou bem caseira e gosto de fazer coisas simples, como ler livros e ver séries ("esses millenials", consigo ouvir na sua mente). Mas nesse dia foi algo tão inesquecível e especial que merecia ser exposto.
  A ponte rio-niterói, um monumento tão comum para os moradores fluminenses. Com seus incríveis 13,23 quilômetros de extensão e uma "corcunda" que faz parecer com um gato se despreguiçando. O cenário dessa curta porém linda história.
  Estava eu cruzando a ponte para visitar minha querida vovó que mora em Campo Grande, já que eu sempre morei em Niterói, isso era algo comum. Mas aquela hora do dia estava tão linda, tão colorida. O céu com poucas nuvens, os barcos deixando seu rastro branco naquele oblívio azul das águas da Baía de Guanabara e todas aquelas máquinas e navios retirando contêineres só completam um quadro perfeito.
  No meio do caminho eu escuto minha música favorita começar a tocar no rádio: "Azul Da Cor Do Mar" do Tim Maia. Um clássico absoluto. Tim Maia é o rei da música brasileira, falo com tranquilidade. Mas enfim, eu me transportei para outra dimensão. Okay, isso ficou estranho dizer no meio de uma história pé no chão como essa. Mas acredite em mim.
  Vou repetir, já que pareceu muito fora de contexto: Eu me TRANSPORTEI para outro mundo. Um mundo em 1970, o ano que foi lançada a música. A ponte iria ser construída 4 anos depois. Então estava eu flutuando encima de uma baía sem nenhum tipo de construção, enquanto um filtro sépia tomava conta de todo o ambiente.
  Eu me senti no filme "Peter Pan", a música ecoava no fundo e me fazia flutuar ainda mais. Eu poderia sentir nostalgia de um tempo que não vivi. Mas quando estou prestes a sentir prazer, me lembro de tudo que estava a ocorrer no Brasil naquele ano. No ano retrasado, 1968 (ano que meu pai nasceu), foi aonde tudo foi perdido. Não tinha o que comemorar.
  Eu parei no meio do caminho e enquanto eu deslumbrava minha vista, onde se você me visse de longe eu seria um pontinho no meio de um quadro da baía, separando as duas metrópoles de forma harmoniosa, mesmo que extremamente sutil.
  Meus olhos reviram e vejo vários flashes de pessoas sendo torturadas. Essa parte foi a pior. Foi então que o filtro sépia foi se tornando cada vez mais colorido. Era isso, eu estava voltando para o presente. Comecei a ver a ponte sendo construída de uma forma rápida, igual aqueles "timelapses" que a gente vê na internet.
  A cor voltando foi a democracia voltando, a esperança e a felicidade das pessoas.
  Voltei para o presente assim que a música acabou. Eu com meus 13 anos não sabia de muita coisa, o que queria da vida e tudo mais. Mas vejo que aquilo foi mágico de verdade.
  Cada vez a cor que nos domina vem se perdendo com a ignorância e a hipocrisia. E todo mundo sabe que sépia é o filtro mais cafona que existe.
Viúva Negra

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