Perfeita Distopia

  Motoristas de Uber adoram contar histórias. É algo que deixa seu emprego mais leve, culto e consequentemente humano. Foi numa dessas trocas de vivências que acabei conhecendo a história de seu Ernando, um senhor que perdera seu filho para o racismo policial alguns anos atrás.

  Esse menino era jovem, no auge de seus 25 anos, estava indo com seus outros 4 amigos para uma festa, comemorar a aprovação de um deles num concurso, algo realmente extraordinário para um cidadão periférico no Brasil. Porém, 111 tiros depois, essa celebração foi retalhada.

  Segundo os oficiais, eles estavam a procura de um suposto roubo de carga, mas acabaram alvejando um grupo de jovens negros por engano. Acontece, né?

  Seu Ernando é o único dos parentes que resistiu às tentações para manter seu silêncio. Ele quer justiça, e nada que um PM lhe falar ira convencê-lo de que a morte de seu filho foi algo legítimo e justo. A justiça é cega, mas quem a aplica tem mira apenas para cores escuras.

  Mesmo após quatro anos, esse fervoroso pai não desistiu de levar os culpados por acabarem com seu mundo ao xilindró, como é previsto nos nossos pilares da democracia e justiça. Essa última que perdeu seu sentido ao longo dos anos. Ou nunca teve. Afinal, a seletividade é algo inerente às punições dos tribunais.

  As autoridades tentam nos convencer de que eles tratam todos iguais, mas quando almejam pessoas inocentes em carros, com guarda-chuvas ou limpando a rua por serem de uma certa cor de pele, isso se torna uma indução cognitiva falha.

  Cheguei em casa naquele dia em segurança e desejei boa sorte ao seu Ernando.

  Não apenas para conseguir pôr um fim na história que pôs um hiato na vida dele.

  Mas por ser negro e bater de frente com a polícia, ele pode ser o próximo.

Viúva Negra