quinta-feira, 23 de maio de 2019

De: Miguel Pereira. Para: Niterói

Cerca de 1 milhão de veículos atravessam a Ponte Rio-Niterói toda semana. Dentro de um deles está Pedro. Nascido na rua Cipriano Gonçalves, Miguel Pereira, o filho único de Dona Carla e Seu Mário não era um menino comum. “É esquisitinho esse garoto, né?” - comentava a vizinhança fofoqueira. Desde pequeno ele sabia que era diferente das outras crianças, mas nada disso importava, pois tinha 3 vizinhos e melhores amigos que faziam sua vida caminhar normalmente. Seus 3 amigos, inclusive, estavam ao seu lado quando o neuropsiquiatra o diagnosticou com Asperger.

“Autismo? O menino da Dona Carla não tem isso não. Autistas não são aquelas pessoas que ficam balançando a cabeça sem parar?” - indagavam os vizinhos. Mas Pedro era mais do que só autista, ele era nerd. Muito nerd. Ultra nerd. Daqueles em que a decoração do quarto é do Senhor dos Anéis, o material escolar é do Batman, a capinha do celular é do Harry Potter e suas camisas misturavam tudo e um pouco mais. Pedro vestia sua personalidade.

2015. Ano de se despedir da sua rotina e encarar uma nova. Tudo bem, tudo bem, seus amigos foram com ele para a UFF e moraram os 4 na mesma casa, mas só Pedro foi cursar história. Novo centro de ensino. Novas pessoas. Novos professores. Novas interações sociais. Novo. Tudo na faculdade era novo para o garoto que sempre foi protegido pelos pais e pelos amigos. Na faculdade ninguém ia parar de bater o pé no chão porque sabia que ele tinha sensibilidade ao som. Lá ninguém ia achar normal ele querer se isolar. Lá iriam pedir para ele se acalmar quando estivesse falando rápido quando, na verdade, estava falando em sua velocidade usual.

“Mas eu vi Atypical na Netflix, saberia lidar com um autista” - falavam os colegas de classe. Porém, ninguém sabia que Pedro tinha Asperger, para eles, o menino era só meio esquisito (mesmo ele sendo completamente normal). Nosso protagonista decidiu manter seu diagnóstico consigo, viver enfrentando um desafio a cada dia, surfando no rio formado por seu choro, mas que ele sabia que, um dia, o levaria para uma praia calma.

Há 4 anos e meio o menino atravessa a Ponte toda sexta-feira voltando para casa. E está quase acabando. Ele sabe que vai voltar um dia, afinal seus amigos decidiram continuar morando do outro lado da poça, mas, por enquanto, era um adeus. Dentro de seu carro (que tem no encosto do banco um desenho do Capitão América e, na lixeirinha, a Tardis) o garoto reflete. Jamais sentirá falta da ansiedade que o acompanha pelos corredores, mas quem sabe sentirá falta da Ponte. Esse quase historiador sabe que, por semana, mais de 1 milhão de histórias passam por ela. E ele só queria ter a oportunidade de ouvir uma delas.
Jussara Sri Lanka

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