sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Um estudo de luz e sol

 Ela não olhou no meu olho. Cabeça baixa, o corpo mudo e o cabelo voando. livre. como ela parecia ser. Ela andava e o mundo parava, como uma entidade, enviado pelas deuses pra iluminar o caminho de quem cruzasse sua presença. Um sweater colorido, meias desalinhadas e um cheiro de hortelã e flores frescas. A casa com plantas em todo canto que se via. Não combinava com sua cabeça baixa e suas pernas e mãos tremendo quase derrubando o chá que ela tentava manter seguro como toda força que tinha no corpo. Sol parecia ter medo de errar. 

Dias antes, no teatro, quando a vi dançar, sob as velas em um palco breu, eu não adivinharia nem em um milhão de anos sua timidez e seu nervosismo, aquela menina que estava no palco nunca teria medo de errar porque era impossível que ela o fizesse, mas talvez por isso ela sentisse tanto medo. Nos palcos ela flutuava, era leve e brilhava, como a última luz do dia que entra pela fresta da janela e ilumina o lado esquerdo do seu rosto. Aqui, ela se contia, como se aguardasse o momento certo pra ser. Ou o momento que eu fosse embora e ela pudesse ficar sozinha com seus pensamentos. 

Entre o meu silêncio e o dela, por não saber se eu deveria ou não ou o que deveria ou não ou como deveria agir ou se deveria agir, um gato de todo tamanho entrou na sala, pulou no meu colo e se aconchegou em mim. Nesse momento ela deu o primeiro sorriso do dia, como se tivesse recebido permissão, como se eu tivesse recebido permissão pra estar ali. Ela se levantou quieta e foi até a gaveta, voltou com o que se parecia um grande livro mas que quando ela abriu se revelou um álbum. Ela o colocou na mesa e começou a folhea-lo. Retratos. De família. Rostos felizes por todo canto. Seu aniversário de 15 anos. A primeira vez que ela subiu no palco (ela murmurou baixo) e entre uma foto e outra ela foi se abrindo. E entre uma foto e outra os sorrisos nas fotos foram mudando. Se apagando. E pessoas foram sumindo, mas a mulher na minha frente, dona daqueles momentos, sorria. Ela me mostrou a primeira vez que torceu o pé no ballet e me contou que nesse dia achou que nunca mais iria dançar. Eu não teci muitos comentários mas gostava do jeito que ela contava suas histórias, por mais doloroso que fosse assistir as fotografias se esvaziando, sol parecia completa. E com os olhos marejados que finalmente me olharam eu vi que Sol parecia estar viva por todos eles. E agora eu entendia porque nos palcos ela flutuava, suas estrelas a guiavam. 

Ela é tudo isso. Tudo que a vida a tornou e tudo que a dança a conduziu a ser. Uma mistura das coisas bonitas que nos tiram um fôlego e das explosões que despedaça o coração. 

Quando vemos o sol brilhar esquecemos que o que nos ilumina também queima e arde.


                                                                                                                Filha de Oyá

26 comentários:

  1. Da pra sentir as referências das crônicas antigas, e também da pra se sentir imerso na cena, parabéns, muito bem escrita. E um parabéns especial pela formulação da frase final.

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  2. Texto muito bonito, ambientou bem a personagem.

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  3. Muito legal e bem feita a construção e descrição do personagem. E adorei a frase final "Quando vemos o sol brilhar esquecemos que o que nos ilumina também queima e arde."

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    1. Sou suspeita pra falar mas eu também amei! hahah amo metáforas as vezes tenho que me segurar pra não usar muitas. Fico feliz que tenha gostado <3

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  4. Nossa, amei a crônica. Muito bem detalhada, poética. Parabéns!!

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  5. Texto bonito, poético e foi bem escrito. Só acho que o terceiro parágrafo ficou muito extenso e achei um pouco confuso, essa parte foi pra outra cena/momento e não consegui fazer essa transição. No geral, é uma boa crônica!!

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    1. Obrigada pela crítica!! Analisando agora também acho que poderia ter cortado o terceiro parágrafo em uma parte específica ali. Sempre tenho problema com isso porque primeiro escrevo o texto corrido e rápido pra depois checar esses detalhes. Tô tentando melhorar <3

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  6. O texto está muito bonito e poético, gostei bastante!

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  7. Conseguiu unir poesia e a descrição que era a proposta, muito bom!

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  8. Conseguiu unir poesia e a descrição que era a proposta, muito bom!

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    1. obrigada, amor! é o que sempre tento trazer para os meus textos. feliz que tenha gostado <3

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  9. Nossa, que texto bonito. Senti falta de algumas vírgulas e algumas frases ficaram um pouco grandes, o que deixou o texto confuso em algumas partes. Mas você escreve muito bem, Filha de Oyá!! Palavras belíssimas que fazem com que o leitor consiga imaginar toda a cena e talvez até sentir que faz parte dela, que está ali observando tudo. Parabéns!

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  10. obs: a última frase é referência a uma música ou é só coincidência??

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    1. Não conheço nenhuma música com essa letra então apenas coincidência hahah

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  11. Gostei demais do seu texto, traçou realmente um perfil muito legal e denso do pseudônimo. Só ali no começo o "livre" ficou em letra minúscula, mas acredito ser só um toque errado no teclado. Parabéns!

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    1. por questão estética eu geralmente prefiro escrever tudo com letra minúscula. pelo costume acabo deixando passar algumas letras quando vou corrigir o texto kkkk obrigada <3

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  12. Adorei o texto! Confesso que a última frase ficou maravilhosa, bem frase de impacto.

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  13. Amei sua crônica!!
    Conseguiu falar muito sobre mim e gostei muito de como vc fez referência as minhas crônicas.
    Parabéns de verdade!

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    1. aaaa fico muito muito feliz que tenha gostado, espero que mesmo sendo vaga nas descrições tenha sido uma boa leitura pra você <3

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  14. Você trouxe uma melancolia tão poética que ficou realmente emocionante de ler. Gostei demais, achei a parte do sorriso assim que o gato entra linda demais, me tirou um sorriso e um arrepio. Parabéns!

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  15. Ótima construção dos acontecimentos e da personagem, o texto é muito bonito e emocionante. Usou muito bem as referências das crônicas dela, parabéns!

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  16. Meu deus, que coisa linda! Eu adorei o jeito que você descreveu a personagem, se inserindo na cena com ela. Ficou poético e isso deixou mais confortável e agradável de ler. Deixou meu coração quentinho. Parabéns!!

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  17. Que texto sensível! Amei a forma descritiva que você montou e sua proximidade com a personagem dão um tom super intimista ao texto. Senti falta de algumas vírgulas, mas em geral o texto está incrível!
    Parabéns

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  18. Não poderia deixar de concordar com os comentários anteriores, sua escrita é linda e poética. Amo quando você utiliza metáforas, parabéns pelo texto!

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