sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Futuro do Pretérito

 Para quem não lembra das aulas de gramática, eu lhes refresco: sabe aquele tempo verbal do -ia? Faria, comeria, brincaria… isso tudo não aconteceu, claro, em decorrência de outros fatores. 

Então, eu viveria em paz, se não estivesse tão preocupada em converter o inconvertível, em brigar com o dono da briga e em chorar com quem sente prazer ao ver meu choro. Minha maior dor foi ter perdido minha paz. 

Sempre tentei exalar positividade e energia boa, isso desde cedo. Sempre fui aquela criança brincalhona, que era a alma da festa. Ganhava medalhas pelas competições de dança nas festas infantis, era boa companhia para adultos e acho que essa fase poderia ter sido a melhor da minha vida, se não fossem os traumas e a necessidade de ser validado que vieram dessa época. 

Cresci e me tornei extremamente político. Engajado com o que acredito, com debates, com justiça. Me envolvi em muita discussão com as pessoas e é esse o foco da minha crônica. Talvez esse meu senso de justiça, sempre muito aguçado, tenha tirado de mim a minha maior busca: a paz. Me envolvi em brigas feias com familiares, fui ofendido, me mandaram ir para diversos lugares que não sei dizer se estaria melhor neles. 

Perdi minha paz ao ponto de cortar laços definitivos, e na época eu achava que estava sendo extremamente justa. Hoje percebo que a verdadeira justiça estaria em poupar o meu desgaste emocional, e que a única coisa que eu desejava era ser escutado. Uma criança que é sempre tão passiva, cresce um adulto (re)ativo. E é daí que surgiram os conflitos, mas sei que é injusto tentar fazer essa análise olhando para o meu eu do passado, eu não pensava assim. Nunca fui escutado, nunca me deram espaço e voz. Me tratam como criança até hoje, porque é mais fácil “domar” uma criança do que encarar um adulto. 

Percebo, enfim, que é diretamente proporcional o autoconhecimento e o afastamento das pessoas. Quanto mais você se conhece, mais percebe que não é preciso aceitar muitas coisas. Era só me afastar, mas sem perder o amor e o respeito, e percebo que perdi minha paz, sendo que era ela que eu mais buscava o tempo todo. 

Buscava paz para os meus existirem, clamava por paz para as pessoas terem direitos básicos e implorava por paz para de fato me sentir representada no lugar que eu deveria e devo estar, mas tudo isso estava no futuro do meu pretérito.


                                                                                                                     Michael Scarn


12 comentários:

  1. o título é genial, assim como toda a crônica, nada a dizer além de meus parabéns, arrebentou

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  2. "Talvez esse meu senso de justiça, sempre muito aguçado, tenha tirado de mim a minha maior busca: a paz.". Essa frase foi sensacional, por mais simples que pareça, me senti representado. Excelente crônica, zero erros. Abraços da Formiga!!!

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  3. Adorei o título, achei muito inteligente e genial! Sua crônica tá muito bem escrita, parabéns

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  4. Assim como a Mônica, achei super genial e inteligente! Parabéns pela crônica, Michael. E lembre-se que nada é tão valioso quando a sua paz, se poupe um pouco!

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  5. "Minha maior dor foi ter perdido minha paz", essa frase me impactou muito. Amei a sacada de gramática e o texto ficou muito bem feito, parabéns!

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  6. Amei o título e todo o sentido que ele fez no texto!
    Adorei a crônica!

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  7. Texto muito bem escrito, gostei em especial do segundo parágrafo. O seu desabafo foi muito claro e cheio de detalhes. Parabéns!!

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