quinta-feira, 22 de julho de 2021

A Despedida

 É como naquela música de Clarice. Eu digo que era manhã. Ele: “Três da

tarde”. Acontece que em nossa versão seria o amanhecer de um sábado

ensolarado, ou um domingo friorento que a gente acorda depois das 11h.

Lembro que fui pega de surpresa. Já o papai, diz que conversamos a semana

inteira sobre a “despedida”.

Era um dia importante. Meu pai conta que acordei empoderada, exalando ar de

superioridade, como uma mocinha crescida. E eu? Humildemente acho que só

coçava os olhos inchados cheios de sono.

De flash em flash, o que me recordo mesmo é ouvi-lo dizer: “Pronta, filhota?

Vamos nessa!” com um sorriso genuíno e orgulhoso estampado no rosto.

Papai fala que ainda estávamos de pijama. Discordo plenamente. Vestia uma

saia amarela de babado, já que depois partiríamos para um almoço na vovó.

Rememoro, sem dúvidas, que ele me levantou e colocou na “carcunda do

gigante”. Na lembrança - errônea, diga-se de passagem - dele, fomos

caminhando de mãos dadas até a lixeira na cozinha.

Aqui, não restam quaisquer divergências: Afirmamos que a lata de lixo foi

aberta como um portal para a vida de gente grande. Encarei assustada a feição

sorridente do papai. Apertei sua mão, que era o dobro da minha, e senti o

medo dissipar rápido e abandonado. Para garantir, a voz que sempre me

acalma soou despreocupada: “Tô aqui, zé mané. Pra sempre.”

Com as mãozinhas miúdas, tapei os olhos e joguei. Não tinha volta. Lá no

fundo, escutei um “aêêê!” da mamãe. Meu pai me pegou no colo, girou, girou,

girou e gritamos juntos na janela:

- Adeus, chupeta!


Bic Cristal

6 comentários:

  1. Bic, adoreeeei seu texto! kkkkkk desde o início, imaginei que fosse a despedida do seu pai, mas o final me pegou de surpresa, ri alto aqui. Amei a forma como abordou a sua memória, você realmente tem talento para escrita! Meus parabéns!!!

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  2. Concordo com a Lua, Bic, fiquei com um sorriso no rosto no final. Estava meio aflito lendo, não sabendo o que seria e tal, porque estava muito bem escrito haha. Mas uma perguntinha de curiosidade: você tinha quantos anos? Abraços!!

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    1. Asa, isso também nunca entramos em um consenso! Eu e minha mãe juramos que eu tinha 4, mas meu pai diz que eu tinha 3... Hahaha

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  3. Bic, confesso que também fiquei meio assustado com o texto, mas o plot-twist dele foi genial, realmente, você me fez dar um grande sorriso. Parabéns pela escrita!!!

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