Nós estamos em um carro, mas nenhuma de nós duas está dirigindo. A noite é quente
e abafada e a estrada está vazia, quase como em um filme clássico de terror. Eu sinto a sua
respiração pesada ao meu lado, em direção ao meu rosto, e o movimento ritmado do seu peito
me envolve como uma canção de ninar. Se eu fechar os olhos com força e prestar bastante
atenção consigo até mesmo imaginar seu coração se contraindo dentro da palma da minha
mão direita.
E você está falando sobre algo. Sobre o aquecimento global, sobre a extinção dos
ursos polares, sobre ilhas quase não habitadas no meio do oceano pacífico, sobre a evolução
dos seres humanos, sobre a melhor música que você já escutou nos últimos três dias, sobre as
vantagens de abolir definitivamente os relógios e eu não consigo mais te escutar. Você
continua falando e falando e falando e falando e falando e eu só sinto que não consigo mais
respirar.
Você esmaga a minha caixa torácica e eu quero odiar cada parte sua. Cada gesto
delicado dos seus dedos, cada movimento dos seus ombros toda vez que você ri, cada sorriso
mínimo, cada um dos seus dentes pequenos e amarelados. Cada “oi” seguido de abraço que
nunca é longo demais ou breve demais, sempre no tempo necessário.
Você continua falando e eu sorrio por um milésimo de segundo. Sorrio não pelo que
você diz, mas pelo que poderia acontecer com você. Eu me sinto horrível, o próprio inferno
em vida, mas ainda sim imagino você sufocando com a própria saliva e cada detalhe desse
espetáculo precioso — o rosto vermelho, as próprias mãos em torno do pescoço, as dobras dos
dedos pálidas, o seu desespero palpável, as lágrimas escorrendo até os cantos dos lábios em
um ballet desengonçado. Você perdendo a vida aos poucos, é isso que me diverte.
Eu preciso te aplaudir, é uma cena digna de Oscar.
Mas a verdade é que estamos em um carro com os vidros das janelas abaixados e
nenhuma de nós duas está dirigindo — nenhuma de nós duas sabe dirigir — ainda que o carro
continue em movimento. A estrada está completamente vazia e silenciosa, como se fossemos
as últimas pessoas no mundo todo. As últimas sobreviventes. O ar é asfixiante e o seu dedo
médio desenha distraidamente círculos infinitos sobre a pele coberta da minha coxa. Eu sinto
a ponta da minha língua seca e tenho a sensação de que você imagina o mesmo para mim, a
mesma tortura, neste exato momento.
Eu quero me machucar por não poder machucar você.
todos amam tomates
Que narrativa, sua sombra é querer matar alguém gostei, um pouco clássico, porém com a narrativa emocionante. Parabéns espero que encontre um caminho dentro desse carro <3
ResponderExcluirobrigadaaaa! a verdade é que eu não sabia direito o que escrever, foi muito difícil encontrar a minha sombra. tipo, não estou dizendo que sou uma pessoa perfeita e sem nenhuma falha, mas é que no espaço de dois dias que a gente teve para escrever algo, foi muito difícil encontrar a minha versão sombra. até pensei em não escrever o texto, mas no fim decidi criar uma narrativa mais "geral", que no caso é que por mais que você ame uma pessoa, existe esse algo nela que te deixa irritada à ponto de não querer que essa pessoa continue falando, só querer que ela se cale. perdão pela resposta enorme também ❤
Excluiraii eu me impressiono toda vez com seus textos, todos! sensacional, inclusive me emocionei nesse. esse sentimento é muito estranho mas real, gostei muito da narrativa que voce criou e que o ilustrou tao bem! ate suas sombras escritas por voce sao incriveis, parabens pelo texto!
ResponderExcluirai meu deus, muito obrigada do fundinho do meu coração! se eu pudesse te abraçaria agora mesmo ❤
ExcluirTodos amam tomates, seu texto me levou a um lugar único da imaginação, consegui imaginar cada sensação, expressão facial, até as texturas. Mesmo que nunca tenha sentido esse sentimento ou desejo, entendi o sentimento que quis passar. Ótimo texto!
ResponderExcluirfiquei toda boba agora com o que você disse, que bom que você conseguiu imaginar tão bem e muito obrigada ❤
ExcluirTodos amam tomates, é um pouco repetitivo eu falar toda vez como gostei, mas gostei muito. Para mim, a analogia de "devorar" ou "comer" alguém é muito forte, e eu entendo. Bom, no meu caso é um pouco diferente, mas mesmo assim! Parabéns, espero o próximo. Abraços!
ResponderExcluirpode ser até repetitivo, mas saiba que me deixa muuuito feliz. abracinhos para você também ❤
ExcluirTodos amam tomates, eu achei o seu texto incrível!! Eu consegui me envolver completamente na sua narrativa e eu consegui me imaginar exatamente na sua posição. As vezes, queremos estar tão colados com alguém, tão próximos a essa pessoa, que algumas barreiras físicas e morais parecem extremamente absurdas. Parabéns pelo seu texto! Já me considero a sua fã porque eu sempre gosto das suas produções!
ResponderExcluirSua crônica me deu muita agonia, parte por não entender, parte pela cena que é descrita. Após reler algumas vezes eu entendi, mas a agonia devido a cena aumentou. Ainda assim, achei seu texto muito bom!
ResponderExcluirTomate, eu odorei seu texto, nos comentários de cima eu li a sua explicação, reli o texto e explodi minha cabeça, que imaginação!!! Você escreve bem demais, parabéns :)))
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