quinta-feira, 22 de julho de 2021

Aquele aluno cheio de frescuras

Sentei na mesa da cozinha com meus pais, eu esperava que seriam capazes de me dar um norte, de como eu poderia lidar com essa dúvida sobre mim mesmo:


Mas eles não conseguiram me ajudar. Com quatro anos, tudo o que eu falava era uma grande bobagem.


Quando coloco toda a minha infância sob uma perspectiva geral, vejo como ela foi um caos. Hoje, alguns amigos, quando questionados, já disseram que gostariam de voltar no tempo do jardim de infância, visitar o passado, na época em que não existia responsabilidade, apenas felicidade. Provavelmente quem tem um ponto de vista como esse, não teve que lidar com o preconceito, ‘bullying’ ou qualquer outra “grande bobagem”.


Então, vendo de longe uma realidade que moldou quem eu sou hoje, me dói não conseguir encontrar algo que fez minha antiga criança sorrir, tudo é tão nebuloso e parece que só a dor marcou.


Eu realmente não gosto de voltar àqueles tempos, mas hoje vou.


Lembro de quando estava no primeiro ano do jardim de infância. Estudava à tarde, na hora do almoço e eu assistia X-Men, mas odiava que o desenho anterior era Naruto. Minha avó me levava para escola, eu ajudava a empurrar o carrinho de bebê do meu irmão. Tudo parecia bem, normal, nada fora do comum, mas o ambiente de destino era um verdadeiro inferno.


Eu não podia falar o que estava acontecendo para ninguém. “Para de ser viadinho!”; “Tem que revidar!”; “Isso é frescura.”; “Seu lesado!”. A resposta da minha queixa contra a escola era previsível, só restava eu reprimir o que acontecia comigo, fingir que nada estava acontecendo e ficar quieto. “Ele é tímido", “Nossa, ele é tão retraído”, mas será que ninguém perguntou o motivo?



Na época, eu queria alguém que me entendesse, um amigo, mas eu não tinha ninguém, todo mundo que eu tentava me aproximar, uma hora me humilhava, isso me destruía, mas eu continuava por perto. Um abraço e um ambiente em que eu conseguia me sentir bem era necessário, mas isso estava fora do meu alcance.


Atualmente eu odeio crianças, mas sei que as que estão sendo machucadas, possuem aquele tipo de esperança ingênua de que as coisas podem melhorar um dia. Eu tinha essa expectativa na minha vida, mas o resultado veio quando eu criei meu próprio mundo imaginário, onde ninguém me machucava e eu me sentia amado.


Também, minha memória se tornou a minha grande inimiga, ela é a única que consegue me desestabilizar, porque não sei se coisas boas do passado foram reais ou ilusões mentais.



Hoje não existe dramatização, apenas honestidade. 


- Melodramático.

8 comentários:

  1. É muito evidente como as coisas que nos ocorrem na infância moldam quem somos hoje... e também como as lembranças ruins perduram na nossa mente, e as vezes até ocupam o espaço das boas. Sinto muito por você ter sofrido calado e não ter um alguém para compartilhar isso. Bem, mesmo depois de todo esse tempo, você conseguiu expor isso e encontrou alguém que entende bem esse sentimento... Meus parabéns pelo texto!!

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    1. Oi Lua! Obrigado pelo seu comentário. Sim, eu acho irônico a influência que nossa infância tem no decorrer de toda as nossas vidas, é como se nunca saíssemos dela.

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  2. Melo, que texto fantástico! Você escreve muito bem, cara! E adorei a brincadeira no final. Rs
    Continue assim... Aí tem talento.

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    1. Oi Bic! Valeu pelo comentário e seus elogios <3. Depois de semana passada, É CLARO que eu tinha que colocar uma pequena referência :P, senão não seria eu kkkkkk

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  3. Oi, Melo! Achei curioso que essas memórias de criança que mais te marcaram foi porque são ruins. E como você explorou isso no texto, achei super interessante. Parabéns pelo texto! Talvez você não encontre a mesma criança que antes sorria, mas você pode redescobri-la. Abraços!

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    1. É uma infeliz curiosidade, sendo sincero. Acredito que nessa época eu deveria ter em torno de 4/5 anos e, mesmo eu indo atrás de álbuns de fotos e conversar com alguns familiares, não consegui chegar em nada mais antigo do que essa rotina de escola x casa. Não é um assunto que tenho segurança em falar, mas nós temos, não é? Obrigado pelos elogios, abraços para você também :)

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  4. Amei você ter trago essa questão de ser retraído e tímido não porque é, de fato, assim. mas sim, porque algumas situações (de negligência, de bullying ou outra) fizeram a gente se calar e se retrair.

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  5. Melo, me identifiquei muito com você, também passei por isso na infância e adolescência, se torna difícil confiar nas pessoas, acabamos nos tornando nosso próprio refúgio, não acho isso ruim, nos tornamos mais fortes. Mas pensa, você só se tornou quem é hoje por conta das vivencias do passado. Parabéns pelo texto, amo sua escrita, é incrível, não pare!

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