quinta-feira, 15 de julho de 2021

Quero te engolir

Quando eu te vejo tenho vontade de te possuir, te usar e sujar sua face com toda a lama barrenta que me engoliu. Quero te beijar e te deixar impuro, sua família tradicional brasileira me enoja, você me enoja, com toda sua perfeição. Não me lembro quando tudo isso começou, talvez quando você conseguiu aquele papel no coral, enquanto eu depois de noites ensaiando fiz o teste e levei um não na cara, seu papai sempre consegue tudo para você né, e cadê o meu papai? 

Sua mãe inventou mentiras sobre mim que sangram até hoje, minha cabeça ainda dói, ainda sinto as unhas dela cravaras no meu crânio. Seus amiguinhos inventaram boatos sobre mim, todos vocês são tão podres. Sinto um nó na garganta que me corrói, tenho raiva de mim, eu devo ter algum problema, vários problemas. Quero parabenizar sua mamãe que fez uma ótima lavagem cerebral em mim, “tudo é minha culpa, tudo é minha culpa, tudo é minha culpa”, repito essa frase enquanto me escoro na porta do banheiro, socos involuntários atingem minha cabeça, dou um grito silencioso, que me estoura por dentro, ali agonizo.

Agora te vejo com sua namoradinha perfeita, o casal cristão perfeito, você mente muito bem, seu papai não iria gostar nadinha das coisas que sei sobre você.

Odeio a maneira que todos nesse lugar te tratam como um príncipe, poderia me considerar um fantasma que atravessava aquele lugar todos os sábados e domingos sem ser visto ou lembrado.

Se confessasse todos meus pecados, os servos me matariam, talvez eu mereça isso, a morte, dor e o desprezo, talvez eu não mereça o amor do Pai, talvez Ele me odeie, talvez eu seja toda essa escória que vocês enxergam.

Tenho cortes profundos por todo corpo, que infeccionam mais a cada palavra maldita que é cuspida em minha face ou a cada olhar de nojo ou raiva. Será que isso tudo é uma projeção da minha mente, será que estou interpretando as situações da maneira errada, tenho certeza que não.

Quero te engolir e te fazer escravo das minhas dores, te comprimir no meu peito, me sinto mal por ter essa vontade. Só queria te beijar naquele altar, na frente de todos, quero que você sinta o gosto do sangue metálico na minha boca, quero te passar todas as minhas impurezas e pecados.

 “Deus me perdoa por favor. O Senhor está me ouvindo? Senhor me responde. Me lava com o teu sangue. Me alinhe no teu caminho, me rasga e remove todas as impurezas do meu ser. Me limpa, derrama do teu espírito sobre a minha carne, encha-me de ti até que não sobre mais nada de mim. Jesus eu ainda te amo, me perdoa por favor. ” 

Enquanto vocês brilham, tenho o meu nome retirado do livro da vida. 

Pai eu te amo e nunca deixarei de te amar.


George Amarelo

4 comentários:

  1. George seus textos são sempre muito impactantes, eu simplesmente amei o jeito que colocou seu ódio no texto, as vezes precisamos enxergar nossas sombras e colocar para fora mesmo e você fez isso com maestria, parabénssss <3

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  2. George, eu senti a raiva nas suas palavras daqui. Senti o ódio que mal cabe e, se não for cuspido, parece que pode explodir. Que texto forte e verdadeiro. Você sempre me impressiona. Eu te entendo - e entendo mesmo. Também sinto essa repulsa, e às vezes até obsessão, por algumas pessoas que já cruzaram meu caminho. Parabéns pela escrita impecável.

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  3. seus textos seguem cada vez mais incriveis, george! me admiro muito como voce consegue expressar e nos fazer sentir tambem todos os seus sentimentos, sua escrita é muuuito sensivel! toda essa raiva é muito verdadeira e presente, fico feliz que voce a transformou em um texto tao forte e significativo! parabens, parabens, parabens <3

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  4. Que texto!!! George, eu gosto muito da forma que você consegue transmitir ao leitor os sentimentos que possui em seus textos. Em dado momento, é como se eu entendesse e compartilhasse desse mesmo ódio que você descreve. Me interessei muito pela sua metáfora sobre o beijo que suja e transferer ao outro seus pecados... Meus parabéns!!!

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