Sim, todo homem.

Eu pensei em diversas pessoas que eu poderia citar aqui. Pensei também em

listar todos os seus defeitos e tudo de errado que elas já fizeram para poder justificar um

pouco da minha sombra e parecer menos uma pessoa ruim. No fim, acabei percebendo

uma coisa que todas essas pessoas tinham em comum, então, hoje minha crônica é para

vocês, homens.

Eu sei. “Nem todo homem”. Vocês fazem questão de repetir o tempo inteiro. E

enquanto vocês repetem a gente continua sendo estuprada e morta dentro de casa. Se eu

quisesse usar a matemática ao meu favor, esse texto poderia ser uma lista de estatísticas,

mas eu sei que não preciso. Vocês sabem das Marianas Ferrer, das Marias da Penha e

das Angelas Diniz.

Se eu pudesse, eu faria um paredão e eliminaria todos vocês. Se eu tivesse a

opção de apertar um botão que fizesse todos vocês sumirem do mundo, mas eu morreria

em consequência, eu apertaria o máximo de vezes possíveis até sucumbir.

Eu não consigo imaginar um mundo em que eu possa sair na rua e não prestar

atenção em todos os detalhes ao meu redor ou não precise mostrar para minha mãe a

roupa que eu estou usando, no caso de ela precisar identificar o corpo. Não consigo

imaginar uma vida em que eu tenho os mesmos direitos que um cadáver, porque até eles

tem direito a autonomia corporal.

Meu sonho é acordar um dia e descobrir que um mundo com homens nunca

existiu. Nenhum. “E seu pai?” “e seu tio?” “e seu irmão?” Nenhum. Porque eu sei que

vocês adoram fingir, mas todos vocês já foram violentos com uma mulher.

É a primeira vez que alguém te conta isso? Não estou te chamando de

estuprador, ou assediador, ou agressor, ou assassino. Mas quero deixar claro: você, em

algum momento da vida, agrediu uma mulher. Quando você escolhe acreditar no cara

porque ele é seu “brother”, quando você chama a menina que não quis te dar de vadia,

quando você olha pra mulheres na rua como se fossemos objetos, quando você não

aceita o não na balada, quando você assiste seu pornô, quando a vítima sempre tem

razão menos quando é seu jogador de futebol favorito ou, realmente, quando você nos

agride fisicamente. Mas nem precisa chegar nesse ponto. O seu silêncio é uma grande

forma de violência também.

Vocês dizem que amam de mulheres, mas não veem mulheres, não leem

mulheres, não acreditam em mulheres, não idolatram mulheres, não escutam mulheres.

Vocês transam com mulheres. Mesmo quando a gente não quer.

E sabe por que eu não tenho o menor receio de vir aqui e falar isso para vocês?

Porque eu sei que, ainda assim, eu nunca vou ser capaz de odiar um homem tanto

quanto vocês odeiam mulheres. Meu ódio não mata vocês todos os dias e chama de

“crime passional”.

Minha psicóloga insiste e eu sei que eu viveria muito melhor sem sentir essa

raiva, mas eu não tenho o menor interesse. Espero que minha sombra me acompanhe

sempre. Da mesma forma que a burguesia nunca vai renunciar aos próprios privilégios,

eu sei que vocês também não vão. E, se for para brigar, eu sempre vou escolher

defender as minhas.

Saramaga (também conhecida como feminista escrota).