Perto da porta da cozinha, é esse o meu lugar

A casa está vazia e eu gostaria de saber falar sobre onças e cadeiras de madeira polida,

sobre quantas patas devem ser necessárias para construir uma mesa de jantar, mas a única

imagem que vem à minha mente é da mão grande demais sobre o vestido amarelo.

É uma lembrança agressiva. Sem som, sem rosto e sem voz. Mas eu sinto o peso dela

envolvendo o meu coração. É uma culpa grande demais que eu não consigo carregar.

E eu vejo o meu corpo se desfazendo a cada palavra sua. As unhas se tornam as

xícaras de porcelana empilhadas na última prateleira do armário da cozinha e que ninguém

nunca vai usar. Os azulejos são os meus ossos e você usa a minha pele para aquecer as mãos.

E eu, do conforto da rachadura no vidro da porta, observo você me desmontando dia após dia

e tentando me reconstruir em alguém que eu não sou. E eu sinto mais uma vez a sua voz que

me sufoca.

E eu sinto o seu olhar vazio. De repente eu sou a pior pessoa do mundo. A pessoa mais

egoísta, a mais impulsiva, a mais irresponsável, a menos amável. Eu quero chorar, mas não na

sua frente. Eu não quero te deixar irritado, mas são vozes demais que me ensurdecem. São

vozes demais que calam a minha.

E eu quero me perdoar, mas a minha própria voz não chega aos meus ouvidos.

E eu volto pro mesmo ponto de partida e sinto a sua mão na minha cintura. Eu não sei

quem é você e eu sou pequena demais pra entender ainda, mas sinto o seu toque pesado

demais, quente demais e que deixa uma marca dolorida na minha memória e no meu corpo,

mesmo que tenha durado por apenas um instante.

E eu sinto que esqueci o gosto das palavras. É isso que mais me machuca.

Todos amam tomates