quinta-feira, 22 de julho de 2021

PETRICOR

Minha mãe não gosta da minha risada, pois é idêntica a sua, ela gosta de dizer que nem precisaríamos de exame um de DNA, carrego comigo todos os seus jeitos. E deles, o meu favorito é ambição, os sonhos que nos olhos dos outros parecem impossíveis.


Você me abandona desde a maternidade. Por que jurou tantas mentiras? Ou melhor, por que acreditei em todas elas?


Atravessávamos a cidade por diferentes rotas, teu peito sempre cigano, nunca descansou em um lar. Sentado ao teu lado no ônibus, te contava histórias que na minha cabeça faziam sentido, enquanto o vento que entrava pela janela, beijava meu rosto. Segurava firme em sua mão, nunca sabia o ponto final de cada viagem. Foram Livias, Gabrielas e Luanas, atravessei histórias que não me cabiam por dentro, mas que por fora me renderam uma cicatriz de nove pontos, e por sinal eu estava prestes a completar nove anos também. Depois daquele dia você não fez questão de me procurar, logo em seguida, você casou, e não me convidou, todos meus irmãos estavam lá, talvez eu não existisse para você.


Escrevendo essa crônica concluí, que minhas primeiras memórias tem o seu nome assinado. Tem seus sumiços repentinos, tem a sua ausência, tem a sua falta de afeto. Mas também tem minha mãe, e minha avó, o amor que envolve e preenche meu ser.


Era dia dos avós, minha turma estava ensaiando a semanas para aquela apresentação, a calma me invadiu quando avistei as duas na plateia, minha mãe tinha uma câmera fotográfica em suas mãos, e minha avó tinha um semblante indecifrável. No final da apresentação todos aplaudiram, eu corri até vocês, e fui recebido com aquele abraço energizado e elogios, ali eu me sentia amado e seguro. Me sentia pertencente, aquele era o meu lar, perto de quem me quer por perto, são essas lembranças que merecem ser lembradas.


Afinal, foi no lado dessas duas que vivi os melhores momentos de minha infância, idas ao shopping, parques, viagens, praias, cinema... não senti a sua falta, nada nunca me faltou, já tenho tudo que preciso aqui.


Naquela noite, a chuva veio inundando todos os buracos e feridas já deixados em minha alma, exprimidos dividíamos um guarda-chuva até o carro. Voltando para casa senti um aroma calmante invadir o ambiente, isso era petricor, e petricor, era saber que elas sempre iriam me preencher a cada ausência. Isso me deixava em êxtase, ali me permiti mudar junto com a lua, me sentia preenchido.


George Amarelo

11 comentários:

  1. QUE TEXTO! George, eu me senti muito aliviada por saber que suas feridas foram saradas, apesar de não ter essa presença e atenção paterna. Eu entendo muito bem do que está falando, inclusive meu primeiro texto é muito sobre isso! mas lendo a sua forma de renascer e ser feliz me fez pensar em mim. Eu também fui criada por minha mãe e minha avó, e eu deveria focar mais nisso. Há algo nas memórias que nos fazem focar no ruim, na falta de alguém... mas o seu texto me deixou muito mais reflexiva sobre isso, pois eu vi o meu texto com um final feliz. Muito obrigada por me proporcionar isso. Sua escrita é incrível! E já estou ansiosa por seus próximos textos.

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    1. Sim Lua, as vezes focamos tanto no que nos falta, que esquecemos do que já temos, e as vezes tudo que precisamos está do nosso lado. O tempo tem o poder de cura, ele cicatriza as feridas, não que eu esteja 100% resolvido com essas questões, mas é tudo um processo. Fico feliz que tenha se identificado e refletido. Muito obrigado pelos elogios!

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  2. George, eu mal sei o que dizer. Que texto. Por favor, algum dia junte essas crônicas e publique um livro.

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  3. Cara, realmente, sua crônica é muito linda. Me deu até um pouco de inveja (olha a sombra ai). Porque às vezes eu penso assim: "não, não minha crônica seria melhor se eu tivesse um pouco mais de espaço..." mas ai sua crônica lembrou que não é questão de tamanho. Enfim, parabéns pelo texto, de verdade. Abraços!

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    1. "Olha a sombra ai" kkkkk, acho que cada um tem a sua individualidade e sua maneira de se expressar, admiro todas, amo demais os seus textos, não duvide deles, são incríveis. Muito obrigado pelos elogios!

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  4. George, PELO AMOR DE DEUS, ISSO ESTÁ PERFEITO. A forma como você faz esse paralelo de sua infância, o cheiro da chuva e a falta de afeto do outro é genial! Também fico feliz que você tenha tido um amor que te confortou. Parabéns!

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  5. Sua crônica está excelente, George! Me identifiquei muuuuito com sua história. A parte das 9 cicatrizes me deixou intrigada.

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    1. Muito obrigado! Bom, uma das namoradas do meu pai não gostava de mim, ai ela mandou fazerem isso comigo, é uma grande história...

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  6. Tarde de mais para dizer o quanto amei esse texto ??

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