quinta-feira, 15 de julho de 2021

A verdade no alto do precipício

Será que é realmente assim? Que, de fato, temos dois lados para equilibrar? Pergunto

isso porque, na prática, parecemos ser inteiramente regidos pela nossa sombra em

determinadas circunstâncias e nem mesmo temos a impressão de ser algo ruim.

A ideia de ter os piores desejos, as mais obscuras vontades, os mais tenebrosos

pensamentos contra alguém, soa como algo tão natural que questiono a existência de

alguma luz ou, pelo menos, seu domínio nessa balança.

Há situações nas quais sequer percebemos o predomínio da sombra em nossos

pensamentos e atitudes. Falo de mentalidade enraizada, não de ações impulsivas. Há

quem considere maldade, mas simplesmente questiono: por que essa visão negativa?

Se é premeditado, uma vontade consciente, sem culpa, sem medo da responsabilidade,

por qual motivo seria negativo? Se não vivemos os contos de fada da Disney, qual a

necessidade de um final feliz? Aliás, sentimentos como felicidade, satisfação e orgulho

não se encontram apenas na luz.

A utopia criada pelo “faz de conta” costuma nos trazer esse tipo de mentalidade falsa,

quando estamos bem longe disso. Caso esta percepção seja errada, o princípio

responsável por explicar a razão de todos já termos visto alguém à beira do precipício e

empurrado ou ao menos termos torcido pela queda, seria outro, não o apresentado por

Jung.

E existe cenário melhor para aflorar nossas verdadeiras identidades? O precipício.

Aquele alguém. O vento forte. A pupila dilata à medida que o coração acelera em

reconhecimento a animosidade em externar nossas reais vontades. Não há testemunhas.

Foram-se as vaidades. Esqueceram-se as diplomacias. Apenas nós, ele e o caminho para

a liberdade. Sem medo de sujar as mãos, sem chance de arrependimento. Sem piedade.

Já nos vislumbramos em vários precipícios e penhascos como este onde as sombras

tomam conta, mas não percebemos que um empurrão precipitado, um vento mais forte

ou um tropeço na grama alta pode nos fazer cair juntos.

Equilíbrio. Controle. Autossuficiência. Vai muito além do maravilhoso mundo de Walt

e da teledramaturgia de Walcyr.

Talvez essa primeira pessoa até aqui não seja do plural, mas de alguém que considere a

possibilidade de nos vermos num penhasco em algum momento, no entanto

reconhecendo a distinção entre ter suas sombras e ser suas sombras.


O Tempo

3 comentários:

  1. Tempo, achei seu texto muito bonito e suas reflexões também, porém não consegui enxergar a SUA sombra nele. De fato não podemos ter finais felizes sempre e as vezes só queremos pular do penhasco, porém qual é sua sombra, querer pular?

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  2. que crônica ótima, tempo! me fez pensar muito... a parte em que você introduz o penhasco ficou incrível e catártica, porém concordo com a sinceron@, senti um pouco de falta de >você< no texto. mesmo assim, parabéns pela escrita, ainda são muitas questões sobre nossas sombras, mas seu texto as respondem a criam outras ainda maiores, seguimos! arrasou ;)

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  3. Acho que entendo seu ponto de vista, tempo. Você externou a sua sombra para exemplificação. Não quis se colocar diretamente no texto, e creio que tenha sido por omissão de querer ver a sua própria sombra e entender que é real e comum, ainda que por impulsos nervosos, desejar o mal a um outro alguém. Seu texto foi impactante e reflexivo, parabéns. Gosto quando leio algo e isso me instiga, e foi o caso de sua crônica.

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