quinta-feira, 15 de julho de 2021

A vida invisível

Sempre colocada no lugar de burra: não sabe matemática, não sabe agir com a razão, não sabe escolher o que é melhor para si e não sabe estudar.


Sempre colocada no lugar de incapaz: não é capaz de trilhar o próprio caminho, não é capaz de construir uma vida sozinha, não é capaz de dirigir e não é capaz de ter uma profissão.


Foi à luz dessas afirmações que eu fui empurrada para um casamento, para uma maternidade e para longe dos meus sonhos.


Fui invisibilizada. Somos invisibilizadas. Nossas ideias, nossos sonhos e nossas vontades são invisíveis para a estrutura patriarcal. Então não me peça para ter empatia com homens quando eles, inclusive meu próprio pai — que fez questão de me mostrar desde cedo o quão cruel e arbitrário um homem pode ser —, nunca tiveram empatia comigo.


Aos homens, principalmente ao meu pai e ao meu marido, eu desejo que percam o emprego, que sejam abandonados pelas esposas e filhos, que sejam expulsos dos ciclos sociais que frequentam, que sejam aprisionados, que sejam guilhotinados.


Foram eles, com esse sistema milimetricamente calculado para os favorecer, que tiraram de mim tudo o que eu amava, toda a possibilidade de ser feliz que eu tinha, e tornaram a minha vida invisível.



Euridice Gusmão

16 comentários:

  1. Euridice, eu sinto o mesmo. Quando vejo meu irmão viver tão mais, sair e voltar a hora que deseja, andar pelas ruas do bairro sem medo, apenas desejo que trocasse de corpo comigo. Só assim, para que sentisse o medo e a agonia de nascer mulher nesse mundo tão nojento.

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  2. Euridice, seu texto falou tudo, difícil não sentir raiva mesmo em um mundo tão hipócrita e que não sabe nos valorizar. Parabéns pelo texto, arrasou <3

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  3. Euridice, muitas vezes eu me sinto exatamente da mesma forma que você! Tantas coisas já foram tiradas das nossas mãos. Tantos direitos que já foram quebrados. Tantas coisas que a gente já teve que deixar de fazer por medo. Seu texto falou tudo, parabéns!

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  4. Euridice, seu texto foi o que mais me fez sentir algo nessa semana, é tão pesado, é tão real, é tão emocionante e eu não sei muito mais o que dizer. Um abraço bem forte.

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    1. Asa, fico lisonjeada de saber que meu texto te fez sentir tanto!

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  5. Como mulher, senti um negócio aqui no estômago lendo seu texto. Meus olhos se encheram aqui. Muito bom!

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  6. Aliás, respondi sua dúvida sobre o meu texto, sobre a constituição, de semana passada!

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  7. Euridice, que texto intenso. Eu sendo um homem cis, não tenho local de fala algum aqui. Infelizmente esse sistema é cruel e podre.

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  8. Euridice, seu texto me angustiou muito. Acho que você descreveu muito bem como é ter uma vida arrancada. Sou verdadeira ao dizer que sinto muito e que entendo o sentimento.

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  9. Sinto muito, Eurídice. Infelizmente não há como voltar atrás, mas sempre é possível fazer um novo futuro. Boa sorte.

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  10. Euridice, seu texto é bem pesado, eu sinto muito. Na oficina já fiz um texto colocando pra fora o meu ódio pelo meu avô e me identifiquei querendo ou não com o seu.

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  11. Perfeito. Simplesmente perfeito. Esse ódio é extremamente compreensível uma vez que te tirou suas próprias opiniões e decisões. Ótimo texto.

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  12. Euridice, esse texto é tão real... me tocou pois, como mulher, eu entendo o tipo de coerção a qual vc se refere. Somos limitadas todos os dias, ir contra a maré é difícil, mas você ainda pode mudar o seu futuro! E eu espero muito que você se encontre nele.

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