Em um chão, que talvez não fosse chão, de uma casa, que talvez não fosse casa, eu ensaiei
minhas primeiras engatinhadas, aos choros e risos, me movendo com a elegância típica dos
bebês. Uma das coisas que sempre me deixaram inquieto, foi o fato dessa suposta memória
sempre vir à tona em meus pensamentos. É uma memória de um tempo tão distante, que eu
não tenho certeza se posso tê-la.
Curioso eu não me achar dono das minhas memórias, como se tivesse outra pessoa dividindo
a estadia do meu corpo. Enfim, acho que posso aprofundar isso em alguma outra crônica, por
hora vou focar nessa minha memória fantasma.
Primeiro, eu gostaria de estabelecer que essa memória é real. Não necessariamente
verdadeira, porém real. Eu não poderia estar pondo em pauta dessa maneira algo que não
existisse. Algo não-existente não poderia me afetar de tal forma. Por isso eu acredito em
deus, não como ser superior a nós, mas sim como criação humana capazes de modificar
drasticamente as relações e noções da humanidade. Dito isto, acho que eu posso prosseguir e
tentar contar um pouco mais sobre essa tal memória.
Quando eu tenho esse flash de memória, sinto que na verdade estou olhando pra mim, como
se eu me enxergasse através de outros olhos, talvez os de minha mãe, de alguma tia, talvez os
meus próprios… Digo, o meu cérebro não é como se fosse um olho pras coisas que já
aconteceram e pras que ainda vão acontecer? Acontece que diferente dos olhos, o cérebro
enxerga de diversas perspectivas e ângulos.O fato é que eu me vejo em movimento, os meus
primeiros movimentos independentes nesse mundo, que, mesmo desengonçados, são os que
me dão o primeiro impulso para a caminhada da vida. Caminhada essa que, mesmo com os
obstáculos, vale a pena ser feita.
.Quando paro pra pensar, percebo que na realidade todos passam a vida engatinhando, por
vezes meio desengonçados, procurando por algo, almejando conquistas e sempre em busca de
novos lugares para engatinhar. Porém, poucas pessoas percebem a beleza do ato de se
deslocar. Não digo somente fisicamente, nossos cérebros passam a maior parte do dia indo e
vindo, entre problemas e futilidades, e não percebemos que podemos deslocá-lo para os mais
diversos lugares e situações maravilhosas, e o quão incrível esse movimento é. Parece que os
corpos estão fadados ao automático e todo movimento puro e consciente é reprimido por
ondas de insanidade.
Eu engatinhando em uma sala, sem um rumo certo, somente com a ânsia de me mover e a
curiosidade de descobrir novos lugares. Forjada pelo meu subconsciente ou não, é uma
memória, e é a minha primeira. Creio que seja um instinto de autopreservação, uma forma de
me lembrar constantemente que movimento é vida e estagnação é morte.
A vida ensina desde cedo a nos movermos, a darmos valor a todo tipo de movimento. Assim,
engatinhamos lentamente, durante um longo e breve caminho, sempre acompanhados por ela,
até que finalmente ela se vista com novas roupas e nos segure no colo, pronta pra escutar
nossas histórias, de todos os lugares fantásticos por onde engatinhamos.
Cabide Esculhambado
Acredito que a vida para sempre permanecerá nessa constante de mudança, Cabide. Muitas vezes as memórias que não são tão guardadas na mente, agem nas nossas decisões no futuro, é uma reflexão bem legal a ser tratada. Bela crônica!
ResponderExcluirCabide, amei suas metáforas e reflexões. Conseguiu lindamente contar sua memória e passar todo esse sentimento para o leitor. Parabéns <3
ResponderExcluirCabide, eu gostei muito do seu texto! As suas metáforas foram muito bem feitas e as suas reflexões foram muito interessantes. Concordo com você que, as vezes, não percebemos a grandiosidade de certas coisas no nosso cotidiano, tais como o ato de engatinhar ou andar, que nos fazem ser quem somos hoje. Parabéns pelo seu texto e boa sorte na sua caminhada(agora que você não engatinha mais kkkk)!!
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