quinta-feira, 22 de julho de 2021

Meu primeiro grande amigo

Poderia me lembrar de um momento de grande alegria. Talvez recebendo um presente especial. Um sonho marcante. Por que não um aniversário, festas de fim de ano ou até mesmo algum 12 de outubro entre os primeiros vividos? Entretanto, em muitos momentos, minha mente prefere se voltar para as histórias tristes. Com a primeira lembrança aos quatro anos de idade não seria diferente.


Confesso ser doloroso, mas, nessa viagem de pensamentos, para mim é mais fácil lembrar dos dois minutos de turbulência do que das belas horas apreciando a vista de um Sol nascente anunciando um lindo dia. E assim foi naquela manhã. 


Acordar em um dia de férias da escola, chamar minha mãe e não receber nenhuma resposta não era comum, mas ainda não era motivo para preocupações. Levanto. Ando por toda a casa chamando o nome dela. Apesar de não vê-la, tento ir de encontro ao som distante de sua voz. Saio pela porta da cozinha, vejo aquele belo Sol nascente até chegar no portão da varanda e me deparar com a minha turbulência: minha primeira perda.


Perder alguém especial nunca é fácil. Bastou ela contar o ocorrido anunciando a partida para eu perceber isso pela primeira vez. Embora o céu estivesse completamente azul e a luz refletisse alegria por toda parte, só conseguia ver tudo nublado. Era como se estivesse distante da realidade enquanto o apoio do ombro da minha mãe tentava me fazer voltar.


Meus olhos só viam a nossa curta história se passando em pouco tempo. Antes de sumir, a cicatriz no tornozelo esquerdo ainda me lembraria do mais tenso dos nossos momentos juntos por alguns anos. Lembranças que já não tenho, mas que certamente não se foram com as desoladas lágrimas despejadas no ombro materno quando sentado na escada onde recebi a notícia.


Apesar de, em minhas memórias, a fita só começar a rodar nesse momento, o final me lembra uma das primeiras grandes lições que aprendi: a importância do cuidado com quem amamos. A idade já era bem avançada, vários problemas de saúde já eram esperados. Nada disso impediu de cuidarem de você até aquela manhã. 


Fez bastante falta. Ainda proporcionou outros momentos tristes como a desmontagem da sua casa. Assisti esta parte daquele mesmo degrau porque não queria carregar a última lembrança sua para fora. Não sabia como um cachorro podia ser tão amado até você me mostrar isso. Jamais vou te esquecer, meu primeiro grande amigo de quatro patas. 


O Tempo


Um comentário:

  1. É muito interessante essa forma de escrita, na qual se revela os sentimentos e a história de forma linear, e apenas no final descobrimos a quem o autor se refere. Desde o início, você me fez arquitetar mil finais diferentes para essa história, e dentre esses nenhum estava certo kkkkkk do início até pouco antes dos últimos versos, estava aflita para saber quem havia partido... Gostei muito do seu texto! Meus parabéns, você escreve muito bem, Tempo.

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