É essa a memória mais antiga que eu tenho: minha mão dentro da sua, que na
realidade envolve todo meu minúsculo pulso, e suas unhas sempre bem cuidadas próximas ao
meu rosto. Eu tento me lembrar da cor do seu esmalte, mas a memória continua com a estrada
de terra, com a lojinha do lado que vende chiclete de morango e com o clima quente dos
primeiros meses do ano.
Eu tenho três anos e estamos a caminho da escola. Eu, com meu uniforme azul e
amarelo que você ainda guarda dentro do armário, e você, segurando minha mão e levando
minha mochila sobre o ombro esquerdo. Você olha pra frente, sempre para a frente, e eu
quero descobrir cada cantinho do mundo.
É também uma memória estranha porque eu assisto ela como um observador externo,
não como parte dela. Então, do meu ponto perdido no tempo, consigo ver as suas costas, o seu
cabelo escuro preso em um coque mal feito, o meu andar saltitante e os meus passos
desengonçados.
Eu mal aprendi ainda a escala subsequente das coisas perdidas e o meu maior sonho é
ser astronauta, ou paleontóloga, ou conversar com as fadas que moram dentro do tronco da
árvore do quintal, ou descobrir o esqueleto completo de dinossauro embaixo do concreto — e
adivinha, acredito até hoje que ainda existe um esqueleto para ser descoberto lá.
E essa lembrança não tem fim, eu não chego na escola, você não volta para casa, eu
não ouço a sua voz, mesmo tendo impressão que você falava algo, o dia não termina e eu não
cresço. Por um único instante é como se o planeta tivesse parado de girar, somos eternamente
nós duas, uma imagem congelada no espaço, e a sua pele parece dourada como ouro sob a luz
do sol da tarde.
Todos amam tomates
Todos amam tomates, gostei muito do jeito que você escreveu as memórias, como algo abstrato, com vários ângulos, sentimentos e espaços. Que crônica linda!
ResponderExcluirQue título lindo Todos, o texto também, a maneira que você descreveu os espaços, parabéns!
ResponderExcluirAmei o jeito que contou sua memória, algumas lembranças eu também vejo como se fosse telespectadora é estranho mesmo. Parabéns pelo texto <3
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