quinta-feira, 1 de julho de 2021

Bic, é temporário

Querida Bic,


A palavra é “temporário”.


Sei que está angustiada. Sei que nada aconteceu do jeito que planejou. Sei que parece uma rua

cuja única saída é a desistência. Também sei que a agonia tomou a mente ansiosa por inteiro e

não deu sequer uma previsão de fim. O desânimo é absoluto, Bic, eu sei. Eu sei que esperou

demais por um ano que nunca vai chegar, pode acreditar que eu sei. Tudo o que sente agora,

querida, eu te garanto que sei bem.


Sei de todas as noites que jurou ser incapaz. Das horas difíceis que tentou contra os próprios

sonhos. Das manhãs que forçou dormir mais um pouco só pra não ter de lidar com a realidade

que te assola.


Sei tanto das expectativas frustradas. Dos momentos únicos que não aconteceram. Dos ciclos

que mal puderam se encerrar. Eu sei, Bic, pode confiar que eu sei.


E digo mais: eu estava lá. Quando todos desistiram e você continuou, Bic, eu estava. Eu vivi de

perto a aflição das incertezas. Eu vi a desmotivação afundando os amigos em uma única onda.

Mas você nadou até a areia, Bic. Eu me lembro dos tossidos afogada, meio tonta, mas ainda

caminhando até a beira. Você resistiu, querida Bic, ainda que não enxergasse qualquer

possibilidade de sobreviver naquela ilha isolada.


Bic, a palavra é “temporário”.


Eu sei que vai duvidar quando eu disser. Eu sei que até o mínimo resquício de esperança perdeu

o sentido. Eu sei que dói muito; as pessoas que se foram, as perdas intangíveis e as injustiças

irreparáveis. Eu entendo quando diz que nada mais importa e (sobre)viver tornou-se mera

consequência de existir. Eu sei, Bic, estou te afirmando que eu sei. Mas, por favor, acredite na

brevidade dos tempos. Talvez não tão breves, mas sempre passageiros. Não lembra do que

Chico nos ensinou? “Nunca somos, sempre estamos”.


A palavra é “temporário”.


Eu venho repetir que sei porque estou aqui, no meu agora. E se te escrevo isso, é porque já

estive aí, no seu. Exatamente onde está.

Bic, leia em voz alta, “temporário”.


Em algum momento, a inconstância e finitude acabam nossas amigas. Passamos um café,

assamos um bolo e sentamos na varanda pra conversar sobre a beleza do acaso. Só não se

engane: o luto dos dias perdidos é interminável e permanece. Esse, infelizmente ou felizmente,

não se faz efêmero. Mora na saudade e insiste em preencher de vazios uma parte de nós.

“Temporário”.


É o que somos e é o que tudo foi e será. O tempo alivia e ensina. Reencaixa as peças em um

lugar confortável. Regenera. Redefine. Ressignifica. Retemporiza.


Com amor,

Bic Cristal.

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