Pai,
Quando comparo o senhor àquilo que meus colegas têm, penso que estou te vendo errado.
A coisa que eu mais queria no mundo era ter um exemplo de quem seguir, alguém para me aconselhar, repreender e me motivar, mas você é incapaz de conseguir.
Ao entrar no ensino médio, tinha esperanças de que você poderia mudar. Hoje estou em um lugar muito mais longe do que qualquer um pôde me imaginar, mas você não saiu do lugar.
Se minha vida amorosa hoje é um desastre, é porque acredito que o amor é o inferno no qual você e minha mãe vivem. Que tipo de amor é esse? Violência não é só quando envolve ações físicas, mas todo mundo ao nosso redor finge não ver.
Há algum tempo eu carregava todos os problemas nas minhas costas, atribuía a falta, a miséria, a desesperança, a incerteza e outros sentimentos ruins a mim mesmo. Todavia, percebi que aquele caos não era culpa minha, eu soltei todo o peso que carregava, mas isso me fez desenvolver um tipo geral de apatia.
Naquele final de mês que soube da notícia que você falhou em se apagar, me senti triste pelo seu fracasso em fracassar, seu fim seria o caminho ideal para mudanças realmente acontecerem.
Fisicamente, ao contrário de muitos, você está presente, mas não como alguém que acrescenta, sim, que atrasa em tudo e a todos ao seu redor. Eu não me iludo mais com suas promessas. Na minha cabeça, lembro de todas as vezes que você se revelou e me machucou. Posso ter dito haver perdoado: mas perdoei a mim mesmo, apenas.
É emocionante um homem ter uma figura paterna para se inspirar. Ensinar sobre finanças, ensinar a se barbear. Conselhos sobre as garotas — no meu caso, os dois —, formas de lidar com a vida, com a família... Alguém para se basear, alguém que machucaria lembrar que, um dia, não estaria mais lá. Mas ainda me baseio em você, se eu for racional, consigo estudar e fazer com os meus futuros filhos o contrário de todas as suas ações.
Engraçado é que são poucos os que têm suportes que você não quer usar para se levantar: família, amigos, possibilidades, um amor cego e cheio de vaidades. Você só vai perceber as oportunidades de mudanças quando perder tudo o que hoje não quer ver. Também, é impossível dar assistência para quem não quer receber.
Eu sou o seu primogênito, o filho que todos apostam que vai chegar longe. Não coloco muito peso sobre mim, quero chegar em um lugar estável que você nunca, por pura preguiça, nunca quis proporcionar. Adulto, quero ter um tipo de orgulho o qual me faça aceitar alegria e amor, mas nessa realidade em que quero viver, você nunca estará presente.
Na primeira oportunidade que eu tiver, vou esquecer você. Posso estar sendo falso ou ingrato, mas eu não vivo no passado.
Não gostaria de escrever tudo isso sobre mim, mas você sempre fez tudo sobre você, por isso, pela primeira e única vez, quero saber se gostou de ver eu me baseando em tudo o que você sempre será, pai.
Melodramático.
melodramático, acredito que devemos nos afastar de pessoas que não nos fazem bem, mas fica complicado quando se trata de um pai ou uma mãe, acho que deveria continuar respeitando o seu pai, mas se colocando em primeiro lugar, só não faz bem ficar germinando essa “raiva” no seu coração, gostei muito do seu texto, espero que você realize todos os seus sonhos, você merece ser amado e merece desfrutar da alegria e amor, espero que algum dia você se sinta preenchido, te desejo coisas boas!
ResponderExcluirGeorge, obrigado pelo comentário. Terapia ajudou bastante para lidar com minhas desavenças com ele, hoje vejo que algumas coisas que julgo nele são projeções de algumas características minhas. Aliás, raiva é uma palavra muito forte, hoje é apenas indiferença. Obrigado pelos elogios, desejo o dobro para você.
ExcluirMelodramático, interessante reparar no seu texto uma certa ambiguidade: ao mesmo tempo que você diz tentar esquecer o seu pai, parecer buscar uma certa aprovação dele. Adorei.
ResponderExcluirAh, obrigado por reparar nessa ambiguidade, foi realmente minha intenção lá no fundo. Não diria que busco 100% uma aprovação, diria mais como um reconhecimento mútuo.
ExcluirSeu texto foi tão cru, íntimo e catártico que foi difícil de ler. E isso é é um elogio.
ResponderExcluirTalvez tenha gostado mais ainda do seu texto porque eu também tenho um pai que difere daquilo que os meus colegas têm.
Obrigado pelo comentário, Euridicie. É difícil não existir comparações quando a nossa realidade não é aquilo que nós gostaríamos, mas sabemos que poderia ser possível.
ExcluirQue texto forte! Muito triste ter esse tipo de relação com quem deveria ser nosso maior parceiro na vida. Te desejo força pra lidar com isso. Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirSe eu fosse te aconselhar, diria para somente encarar isso com indiferença. Pode doer e pode ser difícil, mas quando são nossos pais as coisas doem mais
ResponderExcluirConseguir converter a frustração num texto tão belo quanto esse é pra poucos, melodramático. Nessa estrada da vida, onde se vê tanta solidão e ilusão, é preciso o encontro consigo mesmo para poder se libertar e seguir vivendo de verdade. Parabéns pela carta.
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